quinta-feira, 15 de novembro de 2018

PESQUISA DISCUTE JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DAS ÁREAS DE SAÚDE, EDUCAÇÃO E MORADIA

A professora Isabela Dias Neves explica os pontos principais da pesquisa

As reflexões do trabalho apontam que o conflito gerado pela judicialização de políticas públicas poderia ser amenizado investindo-se em iniciativas mais dialógicas, com mecanismos de interação entre os poderes Executivo e Legislativo e deles com o cidadão, para planejamento adequado e participativo dos serviços, de forma a evitar a necessidade do processo judicial.

É difícil encontrar quem nunca tenha ouvido falar que um paciente teve que entrar na justiça para conseguir o fornecimento de um medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Em 2010, por exemplo, o Poder Público gastou R$ 132 milhões com remédios que não estavam previstos para fornecimento pelo SUS, mas foram comprados em obediência a decisões judiciais, depois que os cidadãos sentiram-se lesados em seus direitos fundamentais e recorreram ao Poder Judiciário. 

Outro exemplo é que em 2013, na cidade de São Paulo, mais de 12 mil crianças conseguiram vagas em creches públicas por ordem judicial.

Esses dados estão citados no livro “Processo Civil Democrático: a função jurisdicional e as políticas públicas”, publicado neste ano como fruto de um projeto de pesquisa desenvolvido no Departamento de Direito (DIR) da Universidade Federal de Lavras (UFLA). 

O tema deu origem a mais de 300 páginas de reflexões e o assunto está longe de se esgotar. A professora responsável, Isabela Dias Neves, explica que a Constituição do País assegura ao cidadão direitos fundamentais, entre eles os direitos à vida, à saúde, à educação e à habitação. Os poderes Executivo e Legislativo têm a função de desenvolver políticas públicas para assegurar às pessoas o acesso a esses direitos.

Porém, quando os dois poderes se omitem e deixam de garantir serviços essenciais, o cidadão acaba recorrendo ao poder Judiciário. 

“Nesse caso, as decisões do Judiciário estão comprometidas com a concretização das políticas públicas voltadas aos direitos fundamentais. A Justiça intervém para garantir que a lei seja cumprida e os direitos fundamentais assegurados”. Entretanto, um dos problemas da chamada ‘judicialização das políticas públicas´ é que ela causa um certo conflito entre os poderes, já que as decisões do Poder Judiciário acabam impondo ações à administração pública que impactam em planejamento e orçamento, por exemplo.

“A Administração Pública afirma que a atuação do Poder Judiciário estaria ferindo o princípio da separação dos poderes, pois a ação jurisdicional interfere diretamente nas escolhas realizadas pelo Legislativo e Executivo no que tange à elaboração e implementação de políticas sociais. A execução dessas políticas exige planejamento prévio, o qual estaria sendo desrespeitado pelo Judiciário. O que se verifica, entretanto, é que a atividade jurisdicional age por ser acionada pela população brasileira, que adotou uma postura de exigibilidade de seus direitos garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”, avalia a professora. Trata-se da participação do judiciário no Processo Civil Democrático.

A professora cita um fato ocorrido em Minas Gerais, no município de Piau, em que o juiz de primeira instância determinou que a prefeitura deveria construir uma creche no local. 

“A ordem judicial é para ser cumprida; e o Executivo se depara com um problema de orçamento frente a uma decisão assim. Por esse caso, é possível termos uma ideia da complexidade da questão”. 

O objetivo da pesquisa desenvolvida foi, então, justamente discutir o impasse entre a missão do Judiciário de efetivar o Estado Democrático de Direito e o princípio de separação de poderes.

Os estudos sobre a questão levam à indicação de que o Poder Judiciário pode e deve agir de acordo com sua missão, garantindo acesso aos direitos fundamentais, porém, o ideal é conseguir evitar a judicialização, investindo-se em medidas mais dialógicas, em que os poderes Executivo e Legislativo criem mecanismos de interação entre eles e com o cidadão para planejamento adequado e participativo dos serviços, de forma a se evitar a necessidade do processo judicial. 

Outro exemplo positivo citado nas avaliações da professora Isabela foi a criação de um comitê composto por profissionais como médicos e farmacêuticos, em 2011, para ajudar os juízes a decidirem judicialmente sobre a concessão de medicamentos. 

Com esse auxílio técnico, é possível, por exemplo, identificar se há outros medicamentos disponíveis que podem ser utilizados no tratamento, com o mesmo resultado, de forma a garantir o direito de cidadão e, ao mesmo tempo, não causar tantos impactos sobre o planejamento público.

A pesquisa desenvolvida na UFLA foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e teve início em 2014. 

No livro produzido a partir do projeto, e organizado pela professora Isabela, estão textos de 15 estudiosos brasileiros da área jurídica (docentes e discentes). A obra foi publicada pela editora Lumen Juris e além de abordar aspectos gerais sobre o tema, apresenta artigos temáticos envolvendo as políticas públicas das áreas de educação, saúde e moradia.

com Ana Eliza Alvim - da assessoria

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