Pular para o conteúdo principal

RENOVABIO IRÁ VINCULAR CBios A SUSTENTABILIDADE NO USO DA TERRA

Para receberem créditos de descarbonização, usinas deverão produzir sem desmatamento

*Miguel Ivan Lacerda de Oliveira¹
*Marcelo Boechat Morandi²
*Marília Folegatti Matsuura³ 
*Marcelo Ramalho Moreira4

Quando o assunto é a redução de gases do efeito estufa (GEE) por biocombustíveis, o risco de aumento do desmatamento está entre as principais preocupações em nível nacional e internacional.

Em meados dos anos 2000, quando as primeiras políticas internacionais para produção de biocombustíveis começaram a ser elaboradas, houve uma grande mobilização na comunidade científica para investigar que impactos elas teriam na mudança de uso da terra (MUT) – termo técnico para designar todas as alterações no emprego da terra, incluindo desmatamento para uso agrícola – ao redor do globo. Diversas publicações científicas alertaram para o risco de aumento de emissões e, a partir de então, a consideração da MUT se tornou indispensável em políticas energéticas. Com isso, a pressão mundial para evitar que o desmatamento aconteça em decorrência da produção de biocombustíveis se tornou imensa.

Com a assinatura, em 14 de março de 2018, do decreto que regulamentou a Lei nº 13.576/17, da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), os próximos passos para a implementação do RenovaBio passam pela regulação do processo de certificação. Ela ocorrerá por meio de resoluções da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que definirão, por exemplo, o método de cálculo da nota de eficiência energético-ambiental – que, por sua vez, influenciará na quantidade de créditos de descarbonização (CBios) que cada produtor de biocombustíveis poderá emitir.

A nota de eficiência energético-ambiental será calculada por meio da RenovaCalc, ferramenta desenvolvida por pesquisadores especialistas em Avaliação de Ciclo de Vida. Entre as instituições envolvidas estão: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Agroicone.

Mas como o risco de aumento do desmatamento será tratado pelo RenovaBio? Os pesquisadores levantaram uma série de alternativas para consideração da mudança de uso da terra, tendo como base a literatura científica, as políticas vigentes e diálogos com os atores do setor produtivo e de certificação. Após alguns meses de trabalho, a proposta foi submetida à ANP no último mês de março.

Basicamente, os produtores de biocombustíveis terão de cumprir três critérios de elegibilidade para ingressar no programa e ter direito aos CBios:

1. Toda a produção certificada deve ser oriunda de área sem desmatamento após a data de promulgação da lei do RenovaBio (26 de dezembro de 2017)

2. Toda a área deve estar em conformidade com o Código Florestal, por meio da regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR)

3. As áreas de produção de cana e palma devem estar em conformidade com os zoneamentos agroecológicos da cana-de-açúcar e da palma-de-óleo, definidos pelos Decretos Federais 6.961 e 7.172, respectivamente. Essa é a configuração que atualmente está em análise pela ANP e que, em breve, será colocada em consulta pública.

Essa proposta apresenta uma série de vantagens quando comparadas com outras alternativas disponíveis. Nas políticas de biocombustíveis norte-americanas, a principal forma de abordar essa questão é por meio da adoção de fatores de mudança indireta de uso da terra (iLUC factors). Já na Europa são utilizados mecanismos de gestão de risco, como a definição de áreas vetadas para produção de biocombustíveis e a contabilização direta do uso da terra (dLUC).

As mudanças são consideradas diretas (dLUC) quando ocorrem dentro do sistema do produto avaliado e indiretas (iLUC), quando ocorrem como consequências da dLUC, mas fora do sistema de produto avaliado. Por exemplo, há dLUC quando a produção de cana ou soja se expande diretamente sobre pastagens e há iLUC quando essa pastagem se desloca para outras áreas.

Já o Brasil aparece como um destaque no contexto mundial quando se trata de políticas para ordenamento do uso da terra. Dono de uma vasta área de vegetação nativa – mais de 60% do território – e de uma agricultura pujante em expansão, o país definiu marcos legais únicos no mundo para conciliar produção agrícola e preservação ambiental, como por exemplo, zoneamentos agroecológicos, políticas de monitoramento e prevenção de desmatamento e o código florestal.

No caso do RenovaBio, o desafio consiste em definir uma estratégia que tenha reconhecido potencial de mitigação de emissões de GEE associadas a MUT, baixo nível de complexidade para implementação na primeira fase do programa, baixos custos de certificação para as unidades produtoras, forte embasamento técnico-científico, sinergia com políticas e programas de uso da terra em vigor no Brasil e internacionais, e capacidade de cumprimento e assimilação pelo setor produtivo.

As principais vantagens da proposta de tratamento de MUT no RenovaBio são apresentadas abaixo:

1. Garante um controle rigoroso da conversão direta de áreas de vegetação nativa, que consiste no tipo de mudança de uso da terra com maior potencial de emissões de GEE e de maior preocupação para a comunidade científica e sociedade em geral. Outros tipos comuns de MUT têm emissões de uma ordem de grandeza menores que a MUT de vegetação nativa para uso agrícola e são muito mais dinâmicos no tempo – por exemplo, a MUT entre pastagem, lavouras anuais e cana podem se alternar rapidamente ao longo dos anos. Dois outros tipos de MUT poderiam ter emissões mais altas: a conversão de uso com lavouras permanentes ou com silvicultura para culturas agrícolas anuais. No entanto, eles são relativamente raros no Brasil, considerando os outros casos.

2. Assegura o controle da expansão de biocombustíveis para áreas sensíveis ao seu cultivo, conforme definido nos zoneamentos agroecológicos e na lei de proteção da vegetação nativa. Esses instrumentos não permitem, por exemplo, a expansão de cana e soja sobre floresta Amazônica ou a sobreposição das áreas de produção com áreas de preservação, como Áreas de Preservação Permanente (APP). Tais casos estariam associados a um grande potencial de emissão de GEE e poderiam ser objeto de grande preocupação pela sociedade brasileira e internacional.

3. Está alinhada com instrumentos de ordenamento territorial já estabelecidos e assimilados pelos setores produtivos. Com isso, seu uso como critérios de elegibilidade beneficia produtores atentos a questões ambientais, os quais provavelmente não terão dificuldades de ingresso no RenovaBio, indicando uma alta capacidade de assimilação pelo setor produtivo.

4. Tem baixo custo de comprovação e certificação quando comparada a outras alternativas. Todos os critérios de elegibilidade podem ser verificados de forma remota por imagens de satélite ou outras fontes de informações disponíveis, como, por exemplo, o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), evitando, assim, alternativas que necessitam de verificações em campo, que podem ter custos muito altos.

5. Evita a adoção de modelos e métodos de maior complexidade e grandes incertezas metodológicas, como a estimativa de iLUC; a discriminação entre níveis de degradação de pastagens, tipos de vegetação nativa ou tipos de manejo de solo; e a verificação de estoques de carbono no solo. Tais incertezas poderiam desencadear grande insegurança jurídica, além de maiores custos e tempo para certificação e para a regulamentação do programa em si.

6. Resguarda o programa de críticas sobre a promoção da competição entre alimentos e combustíveis. Os usos da terra com cana-de-açúcar ou pastagens tipicamente apresentam estoques de carbono bem maiores que lavouras anuais alimentícias, como arroz e feijão. A adoção de modelos de dLUC propiciaria uma menor intensidade de carbono para a expansão de biocombustíveis sobre lavouras anuais, em detrimento da expansão sobre pastagens e, portanto, estaria premiando a competição com lavouras alimentícias, resultado indesejado em uma política pública dessa natureza.

7. Tem sinergia com vários padrões internacionais e literatura científica. A diretiva europeia e vários protocolos internacionais (como por exemplo, Bonsucro, ISCC e RSB) se valem de mecanismos de gestão de risco pelo estabelecimento de áreas sensíveis vedadas à expansão de produção de biomassa para biocombustíveis. Por outro lado, a adoção de iLUC factors tem sido alvo de grandes críticas e controvérsias na comunidade científica. Esse histórico dá à proposta apresentada robustez científica e política aos olhos internacionais.

8. É transparente e de simples comunicação para o setor produtivo e sociedade. A contabilização de MUT direta ou indireta envolve modelos complexos, de difícil compreensão por boa parte da sociedade, enquanto a adoção de critérios simples e de amplo conhecimento pode trazer transparência e facilitar a comunicação.

Em resumo, a proposta é suficientemente robusta para garantir segurança e baixo risco de emissões de GEE devido à MUT e, ao mesmo tempo, simples o suficiente para ser implementada. Se aprovada, ela tornará o Renovabio um importante vetor para promoção do uso sustentável da terra para produção de biocombustíveis e assegurará a manutenção da posição de destaque do Brasil na promoção da agricultura e matriz energética sustentáveis.

1- Miguel Ivan Lacerda de Oliveira é diretor do Departamento de Biocombustíveis da Secretaria de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia (MME)
2- Marcelo Boechat Morandi é pesquisador e chefe geral da Embrapa Meio Ambiente
3- Marília Folegatti Matsuura é pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente
4- Marcelo Ramalho Moreira é especialista do setor sucroenergético, energias renováveis, agronegócio e sustentabilidade e sócio do Agroicone

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CAMPEÃS!

A equipe de Futsal Feminino Módulo 2 da Escola Estadual Azarias Ribeiro, comandada pelos professores Cascata e Daniela, venceu os Jogos Escolares de Lavras e segue agora para a disputa da fase Microrregional, que também será disputada em Lavras.

OPERAÇÃO MAR DE MINAS IV PRENDE MAIS DE 400 PESSOAS E APREENDE R$ 4,7 MILHÕES NA REGIÃO DO LAGO DE FURNAS

Forças de segurança do Estado atuaram de forma integrada com, durante mais de um mês, combatendo irregularidades e crimes A Operação Mar de Minas IV, promovida pelo Governo de Minas com órgaõs federais e instituições parceiras, teve um saldo de 2.376 apreensões feitas pela fiscalização tributária, que somaram R$ 4,7 milhões, e prendeu 401 pessoas, sendo 385 em flagrante. O balanço foi realizado pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), nesta terça-feira (24/6). Os trabalhos começaram no dia 19/5 e se estenderam até o último domingo (22/6). Realizada de força integrada, a operação reuniu as forças de segurança estaduais, federais e instituições parceiras, empregando um efetivo de 617 integrantes, 238 viaturas, 11 embarcações, duas motos aquáticas e um drone. As ações preventivas, repressivas e de fiscalização ocorreram em diferentes pontos da região do Lago de Furnas, visando garantir a segurança dos turistas, do comércio e da população local. Houve abordagens e...

CAPOEIRISTAS DE VARGINHA LEVAM A ARTE DA CAPOEIRA PARA A EUROPA

Os capoeiristas da Casa da Capoeira – unidade Varginha seguem ampliando as fronteiras da arte e da cultura brasileira. No início de junho, Osvaldo Henrique (Mestrando Pé de Vento), João Neto (Instrutor Red Bull) e Luís Gustavo (Instrutor Panga) embarcaram em um tour internacional pela Europa, levando a capoeira de Varginha para quatro países: Portugal, França, Alemanha e Polônia. Durante a viagem, os atletas ministraram oficinas, participaram de workshops e realizaram atividades com grupos locais, fortalecendo laços culturais e promovendo intercâmbio com capoeiristas de diversos países. A turnê abriu novas possibilidades de parcerias e projetos futuros no exterior. O trio retornou a Varginha no dia 23 de junho, mas a agenda apertada não permitiu descanso. Já na última quinta (26/06), eles embarcaram rumo a Brasília, onde os instrutores Red Bull e Panga participam do Volta ao Mundo Bambas (VMB), considerado o maior campeonato de capoeira do mundo. Luís Gustavo disputará a seletiva da ca...