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Pelé combinou de voltar à terra natal para inaugurar a pedra fundamental do museu. O Poder Público, em 145 dias, não conseguiu viabilizá-la |
A casa não está mais lá faz tempo. Mas as jabuticabeiras resistem, teimosas, como resquícios do tempo em que o menino Edson ensaiava os primeiros passos pelo quintal. Três Corações não guarda tantas lembranças quanto deveria do seu filho mais ilustre. Mas nem o homem hoje mundialmente famoso como Pelé se recorda tanto assim da terra natal que não visita há 23 anos. “Tivemos uma reunião neste ano, e ele disse ainda ter na cabeça o sabor das jabuticabas. Ficou feliz quando dissemos que as árvores ainda existem”, diz o secretário de cultura da cidade mineira, Valério Neder. A relação de Edson com o local onde nasceu não é próxima porque ele saiu de lá muito jovem. A data em que a família foi para São Lourenço, outro município da região, é controversa.
“A mais aceita é que se mudaram quando ele tinha três anos, em 1943”, explica o historiador Victor Cunha. Não é a única polêmica relativa a Pelé. É reconhecido que o aniversário do Rei é em 23 de outubro. Mas o registro do pequeno cartório local mostra que Edson Arantes do Nascimento veio ao mundo dois dias antes. “Pelo que me lembre, foi em 21 de outubro mesmo”, diz a prima Terezinha Arantes, a última parente que restou em Três Corações. Edson tem caso de amor com as doces jabuticabas de sua infância. Mas a ligação quase de sangue da cidade é com o pai, Dondinho. “Foi craque. Se não tivesse lesionado o joelho, teria sido um dos maiores jogadores do país, pode ter certeza”, completa Cunha. Centroavante exímio no jogo aéreo, Dondinho era o astro do Atlético Tricordiano do início da década de 40. A Rua Treze (hoje rebatizada como Edson Arantes do Nascimento), onde morava, termina no estádio Elias Arbex. A torcida ficava à espreita, na esquina, se questionando: “Cadê o Dondinho?”
Para o turista que deseja visitar o município, não há muito para ver. Existe a Praça Pelé, onde foi erguido um monumento. A bola da estátua que reproduz o jogador levantando a taça da Copa do Mundo já foi roubada algumas vezes. A Rua Edson Arantes do Nascimento tem só a placa como atrativo. O terreno onde se localizava a casa da família está fechado, com a promessa de uma reforma. Três Corações se ressente da ausência do seu único cidadão mundialmente conhecido. Pelé, no decorrer dos anos, tornou-se uma pessoa desconfiada de qualquer um que se aproxime dele. Sempre pensa que desejam tirar vantagem da sua fama e, principalmente, do dinheiro. O artesanato local quase ignora o eterno camisa 10. Os cidadãos de Varginha se sentem mais íntimos de um ser de outro planeta do que os tricordianos de Pelé. Que, para muitos, também não é terráqueo. “Eles falam que teve ET, mas não teve coisa nenhuma... Exploram bem essa conversa fiada”, diz o historiador Victor Cunha.
O primeiro passo já foi dado para que Pelé supere o rival interplanetário. A Prefeitura tem planos para transformar a Casa da Cultura, no Centro, em um museu dedicado ao Atleta do Século. A verba aprovada pelo Ministério do Turismo é de R$ 450 mil. Graças à doação de R$ 200 mil feita pelo senador Eduardo Azeredo, a cidade comprou o terreno onde estava a casa da família Arantes do Nascimento. “Temos financiamento da Caixa Econômica Federal para reconstruí-la exatamente como era em 1940”, garante o secretário Valério Neder.
Mas quem parece jogar contra é Três Corações mesmo. Pelé combinou de voltar à terra natal para inaugurar a pedra fundamental do museu. O Poder Público, em 145 dias, não conseguiu viabilizá-la. O prédio da Casa da Cultura pertence à Justiça Estadual, que pede a devolução do imóvel. Irregularidades tornaram nula a licitação para reconstruir a casa do Rei. Novo edital será preparado, mas só no ano que vem. “Isso se a verba estiver lá ainda”, constata Fernando Ortiz, o defensor de “Nosso Senhor” Pelé. Desse jeito, o ET de Varginha vai continuar ganhando de goleada.
por Alex Sabino, da Agência Bom Dia
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