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RODA DE CONVERSA COM PSIQUIATRA ABORDA DIFICULDADES NA VIDA ESTUDANTIL

“A cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio. A cada três segundos, uma tenta. E cada morte por suicídio tem impacto em cinco ou dez pessoas à volta”, enfatizou médica da USP em evento na UNIFAL-MG


A comunidade universitária da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) se reuniu em uma roda de conversa com a médica psiquiatra, Alexandrina Maria Augusta da Silva Meleiro, na manhã do último dia 28, no auditório Doutor João Leão de Faria, em Alfenas, no Sul de Minas, para discutir sobre “Vida estudantil: diversão ou depressão”.

Convidada diretamente pela Reitoria, a médica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora da Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, participou da ação promovida pela Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace), no âmbito da relação entre saúde mental e educação, como parte do projeto “Acolhe: Subsídios para ouvir, entender e auxiliar o estudante da UNIFAL-MG”.

O evento contou com transmissão simultânea para os campi de Poços de Caldas e Varginha.

Fatores que influenciam o estilo de vida do universitário
Mesclando leveza e seriedade em sua fala, Alexandrina Meleiro falou sobre os fatores que influenciam o comportamento dos estudantes, salientando que na fase universitária, longe de casa e dos pais, os jovens, que iniciam a faculdade com sentimento de vitória, liberdade e autossuficiência, precisam aprender a conviver também com a sobrecarga de atividades do curso; privação de sono não apenas relacionada aos estudos, mas também às festas; frustrações e situações difíceis como reprovação em disciplinas, perda de colegas, rompimento de relacionamentos; incertezas e inseguranças e, ainda, com o medo de errar na escolha da carreira.

Segundo a psiquiatra, o perfil do aluno, assim que ingressa em uma universidade, é simbolizado pelo triunfo. “O universitário é ativo, competitivo, ambicioso, compulsivo, entusiasta e individualista. A pessoa com essas características é facilmente frustrada na necessidade do seu dia a dia. E se ela não tem preparo para algumas frustrações, vai adoecer”, frisou.

Outro aspecto apontado pela médica para a insatisfação pessoal é o estudante estar sempre atrás de uma tela de laptop, celular ou tablet, e ainda assim, não estar se comunicando. “Você tem um monte de amigos, mas na hora que você precisa, você não tem nenhum. É uma coisa fake. A gente se esconde atrás de uma tela e perde o visual. É um autoengano e muitas vezes começa a bater um sentimento de estar só”, pontuou.

A individualidade de cada um, suas crenças e valores, bem como as limitações organizacionais encontradas na universidade ou no curso também foram elencados como fatores que comprometem o comportamento do estudante.

De acordo com a psiquiatra, existe uma personalidade muito comum e estimulada na atualidade, ligada à competitividade e concorrência. “A pessoa tem um desejo contínuo de ser reconhecida e progredir, tendência em atingir médias elevadas, acentuada competição, um número ilimitado de aquisições. E aqui entra muito a questão do verbo ‘ter’. O verbo ‘ter’ passa a identificar a nossa personalidade e não o verbo ‘ser’”, refletiu.

Tal comportamento, também chamado de ‘mal da vida moderna’ pela palestrante, refere-se a um padrão reforçado pela política global que, para a psiquiatra, envolve a questão dos custos, da informatização, da mudança na jornada de trabalho, do declínio da situação econômica, da produção em massa e da lucratividade. “Aí vem a urgência do tempo, a agressividade, a competitividade e a incapacidade de relaxar. Porque a pessoa está sempre alerta, querendo mais e mais”, destacou.

A médica enfatizou ainda, a consequência desses fatores estressantes na vida universitária, que frequentemente levam à frustração e ansiedade. “Chega um ponto da ansiedade, que ela cai. E nesse momento de queda, a ansiedade começa a adoecer. Vem o quadro de pânico, o quadro de ansiedade generalizada, a gastrite, a dor nas costas, a dor de cabeça, inicia então a somatização dessa ansiedade”, observou.

O uso de álcool e drogas foi mencionado pela médica como escolha negativa para enfrentar a chamada fobia social. A psiquiatra assinalou que é comum o universitário ter ansiedade de desempenho, como falar em público, fazer exames, entre outras situações que a inibição e a timidez atrapalham, acentuando prejuízo social, profissional e acadêmico; e como alternativa para lidar com essa ansiedade, faz uso de muita química. 

“Muitas pessoas precisam de aditivos para entrar na vida. E é importante a gente ter noção porque a prevalência de fobia social vai para casa dos 40% na população jovem e muitas vezes não é feito o diagnóstico. A gente vai identificar esse jovem com abuso de drogas, porque a droga funciona como um facilitador para enfrentar as situações sociais”, ressaltou.

Aprofundando o tema, a ministrante explicou que todos esses fatores desencadeiam a depressão, que envolve desde a genética da pessoa, quanto transtorno psiquiátrico, temporalidade com acontecimentos, abuso de substâncias, ambiente em que se vive e abuso físico e social. “Embora a depressão seja mais prevalente nas mulheres, os homens se suicidam três vezes mais e o suicídio é muito dominado pela depressão.”

Barreiras de prevenção ao suicídio
Durante a palestra, a médica Alexandrina Meleiro também abordou a necessidade de acabar com o sigilo e se falar sobre o suicídio. “Suicídio é uma coisa que se pode prevenir. É a morte evitável”, assinalou.

Conforme a psiquiatra, é importante que se questione a pessoa depressiva, se ela está planejando acabar com a própria vida, pois assim, ela se sentirá confortável em partilhar o que está pensando em fazer.  

Apresentando dados estatísticos, a médica mostrou que o suicídio é uma das maiores causas de morte e que não há investimentos para reduzir os números, como houve para doenças como a leucemia, a doença cardíaca, a Aids e os acidentes, nos últimos 30 anos. 

“A cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio. A cada três segundos, uma tenta. E cada morte por suicídio tem impacto em cinco ou dez pessoas à volta”, enfatizou, afirmando que sem investimento em prevenção, fica difícil fazer pesquisa para determinar e mudar essa realidade.

O reconhecimento do problema e o apoio à pessoa deprimida foram algumas estratégias apontadas pela Dra. Alexandrina para enfrentar a situação, além de conversar sobre o assunto, incentivar que a pessoa fale sobre o que sente, indicar um professor ou um profissional para ajudar e, sobretudo, diminuir o estigma de depressão ser uma doença mental.

A psiquiatra também aconselhou que o universitário aprenda a distinguir a depressão, do estresse e ansiedade, e identificar as fontes de estresse para entender quais os sintomas que está tendo e como controlar.

No final da explanação, a palestrante incentivou ainda, que os participantes se atrevessem a fazer perguntas e deixou um recado aos estudantes: “Aprenda universitário: a rir, a chorar, a conversar, a dançar, a amar, a cantar, a sonhar, a descansar, a errar, a brincar, e, acima de tudo, a impor limites e dizer ‘não’”.

“No suicídio a pauta maior é a prevenção”
À tarde, a psiquiatra participou de uma reunião com pró-reitores, diretores das unidades, coordenadores de cursos e professores, oportunidade em que ressaltou a necessidade de planejar ações preventivas ao suicídio. “No suicídio, com certeza, a pauta maior é a prevenção”, afirmou.

Alexandrina Meleiro disse que uma das grandes preocupações é identificar a possiblidade antes que aconteça. 

“Na maioria das vezes, a pessoa não procura ajuda. Principalmente quando está com depressão e também com alguma dependência de drogas, ela se fecha. O que deve ser observado pelas pessoas mais próximas é a mudança do comportamento”, comentou.
com Ana Carolina Araújo - da assessoria

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