sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

EM BUSCA DE VERDADES: PESQUISADORA DA UFLA FALA SOBRE VACINAS E FAKE NEWS


Desde a criação da primeira vacina, contra a varíola, em 1798, milhões de vidas têm sido salvas todos os anos em decorrência da imunização ativa artificial, que mantém sob controle dezenas de doenças infecciosas humanas. 

Apesar da evolução das vacinas e de sua segurança ser aprovada por diversos órgãos internacionais, o número de pessoas que têm deixado de se vacinar chama a atenção das autoridades. Uma das causas para essas baixas imunizações é atribuída às chamadas fake news (notícias falsas), que são compartilhadas especialmente em redes sociais, como o Facebook, WhatsApp e o Youtube. 

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) divulgada em novembro de 2019 mostra que sete em cada dez brasileiros acreditam em fake news sobre vacinas. Ou seja, antes mesmo da disseminação do novo coronavírus pelo mundo, as notícias falsas já eram um grande obstáculo à vacinação em massa.

Para esclarecer algumas dúvidas sobre o processo de vacinação e sobre as vacinas em geral, conversamos com a pesquisadora e professora de Imunologia do Departamento de Medicina Veterinária da UFLA, Ana Paula Peconick. Confira.

Um dos argumentos das pessoas que são contra a vacinação é falar que a imunidade natural é melhor que a artificial. Isso é verdade?

Peconick: A imunidade natural realmente gera uma resposta imune e, consequentemente, uma memória imunológica em nosso organismo melhor que a proporcionada por meio das vacinas. Contudo, a imunização natural significa a pessoa ficar doente ou morrer, dependendo do agente causador da infecção natural. Na imunização ativa artificial, obtida com o uso de vacinas, temos poucas reações adversas, com poucos incidentes. Criam-se mitos de que tudo o que é natural é melhor, sem ressaltar as consequências. As pessoas falam sobre a imunidade natural ser mais eficiente, mas não explicam que é preciso ficar doente para que isso aconteça de fato.

É verdade que as vacinas possuem mercúrio e podem causar câncer?

Peconick: Algumas vacinas possuem, sim, mercúrio em sua constituição, especialmente nas vacinas chamadas polidoses, que são utilizadas para imunizar mais de uma pessoa. Elas podem conter mercúrio para ser melhor conservadas, porém a quantidade do metal líquido presente na vacina é muito pequena e há estudos que comprovam a segurança desse uso. Observa-se que, pelas fake news, falácias são apresentadas, e duas verdades viram uma mentira: a vacina tem mercúrio e o mercúrio pode causar câncer, logo as pessoas concluem de forma equivocada que a vacina causa câncer e isso é falso. O mercúrio não causa câncer na dose utilizada para vacinas. Não há nenhum embasamento científico acerca dessas informações distorcidas.

As vacinas são seguras?

Peconick: Sim, são anos de pesquisas que remetem para a segurança das vacinas. Mesmo depois de provarem a sua eficácia, são feitos vários ensaios clínicos para prever e avaliar sua segurança e os seus efeitos adversos, assim como no caso dos medicamentos. A vacina é fiscalizada por um rigoroso processo de avaliação realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pode ser retirada do mercado a qualquer momento. A notificação de reações ou efeitos adversos é obrigatória. Cada lote de vacinas possui uma amostragem que fica guardada para eventuais contraprovas. Alguns grupos de pessoas imunocomprometidas (aquelas cujos mecanismos normais de defesa contra infecção estão comprometidos, como transplantados, pacientes oncológicos ou imunossuprimidos pelo uso de medicamentos) devem tomar mais cuidado com o uso de vacinas atenuadas, devendo sempre seguir as orientações de um médico, que vai ponderar riscos e benefícios para esse grupo específico. Uma coisa é certa: o Brasil é referência mundial na produção de imunobiológicos, entre eles as vacinas.

As vacinas provocam reações? Podemos ficar doentes ao tomá-la?

Peconick: Sim, porque depende do sistema imunológico de cada indivíduo. Alguns vão sentir algumas reações consideradas esperadas, como febre, cansaço, dor e vermelhidão local. É importante informar que essas reações são esperadas, pois vacinação é um processo com o objetivo de ativar a resposta imune, que implica a manifestação de sinais de uma resposta inflamatória. Mas a maioria das pessoas não apresentarão nenhum efeito adverso. Algumas pessoas costumam dizer que não vão receber a imunização artificial contra a Influenza porque ficarão gripadas. Isso é mentira porque a vacina contra gripe é uma vacina de vírus morto e fracionada, sendo impossível que cause a doença. A vacina, às vezes, é administrada em uma época em que já temos a circulação do vírus no ambiente. E, algumas vezes, a pessoa já estava com o vírus incubado antes de receber a vacina, mas os sintomas só se manifestam em sequência, sendo fator de confusão, como se a vacina tivesse causado a gripe. Existem contraindicações particulares de vacinas para pacientes com algumas doenças específicas ou em tratamento imunossupressor, que devem sempre respeitar a orientação de um médico.

Movimento Antivacina

Peconick: Infelizmente, temos acompanhado o crescimento desse movimento antivacina em alguns setores da sociedade. O que me surpreende é que muitas pessoas envolvidas nesses grupos, denominados de antivacinacionistas, são pessoas tidas como esclarecidas, que tiveram um bom acesso ao conhecimento científico, mas o ignoram veementemente e acreditam ou criam as fake news. Tivemos a volta do sarampo e casos de poliomielite sendo registrados no mundo todo. As pessoas precisam entender que, se cada um fizer a sua parte, iremos erradicando as doenças e parando de tomar as vacinas aos poucos e com segurança, não porque li ou vi em algum lugar para não tomar. A decisão de não vacinar não afeta só a mim ou à minha família, afeta a muitos, perde-se a imunidade coletiva (imunidade de rebanho) e deixamos mais vulneráveis aquelas pessoas que não foram imunizadas por questões individuais ou realmente não podem tomar a vacina ainda. Os antivacinacionistas quebram um acordo social e vivemos um cenário de segunda revolta da vacina em nosso País.

Vacinas podem causar autismo?

Peconick: Observamos que essa informação é muito utilizada pelas pessoas do movimento antivacina. Em 1998, um ex-médico (ele teve sua licença cassada) chamado Andrew Wakefield publicou, em uma revista famosa do Reino Unido, um artigo relacionando casos de autismo à vacina triviral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. Esse estudo foi revogado por pesquisadores de diversos países e várias pesquisas provaram sua falsidade; a revista fez uma retratação por ter publicado tal artigo. Porém, ele continua a ser utilizado como argumento por aqueles que dizem que as vacinas causam autismo. Isso é mentira. Muito pelo contrário, existem várias publicações científicas que retratam a não relação de vacina e autismo.

Muitas pessoas deixam de se vacinar pelo fato de não existirem mais casos da doença. Isso é um risco?

Peconick: Sim, um importante pesquisador disse “A vacinação pode ser vítima do próprio sucesso, já que reduz a percepção da doença”. Porque o êxito dos programas de vacinação do passado diminuiu os casos de registros de determinadas doenças e, consequentemente, as pessoas se esqueceram desses agravos. Os mais jovens não encontraram doentes de varíola ou dimensionam o que representou essa doença, exceto quando estudam sobre ela ou buscam se informar, já que a varíola foi considerada erradicada em 1980 pela Organização Mundial de Saúde. Perdemos, no nosso País, o status de livre do sarampo e vivemos um momento delicado de surtos. Muitas pessoas são desinformadas ou têm uma sensação de que o sarampo se refere a uma doença irrelevante, que não mata ou representa algo mais perigoso, e isso é muito grave. Nós perdemos nossa memória sobre o quão grave essas doenças são e não podemos esperar as pessoas ficarem doentes novamente para dar o devido valor às vacinas.

Qual é o caminho para acabar com essas fake news sobre vacinas?

Peconick: Eu acredito que seja a conscientização das pessoas. O esclarecimento de que, infelizmente, nem tudo que está na internet ou em qualquer outro meio de comunicação é verdadeiro. Muitos anos de pesquisa científica séria não podem ser substituídos por minutos de levantamento de dados na internet, ambiente no qual essas informações distorcidas disseminam-se de forma tão frequente. Na UFLA, fazemos trabalhos de extensão coordenados pelo Neimbio (Núcleo de Estudos em Imunobiologia) sobre vacinas com crianças e adolescentes e notamos que realmente ainda falta muita informação às pessoas. E pretendemos aumentar ainda mais nossas ações. Eu costumo dizer que esse público infantil e jovem é o melhor multiplicador de informação. Temos que falar com as pessoas do que foi provado cientificamente, mas sem usar um vocabulário difícil, para que elas possam compreender melhor e, assim, termos a sensação, como pesquisadores, de que estamos fazendo nossa parte. 

Vacinas no Brasil
Em 1973, foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, conforme as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que disponibiliza gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) 19 tipos de vacinas, que devem ser tomadas desde o nascimento até os 65 anos ou mais, em postos de saúde. Há, em todo o território nacional, os calendários de vacinação da criança, dos Povos Indígenas, do adolescente, dos adultos, das gestantes e dos idosos, estabelecendo as vacinas, doses e períodos de vacinação. 

O Brasil é referência internacional na produção de imunobiológicos, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Além de distribuir vacinas gratuitamente, o País ainda exporta doses para mais de 70 países, sobretudo os africanos. As doses são produzidas pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Instituto Butantan. 

*por Karina Mascarenhas - jornalista, bolsista DCOM/UFLA
*do Portal da Ciência UFLA

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