O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região condenou a Volkswagen do Brasil por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão na fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia (PA), entre as décadas de 1970 e 1980, durante a ditadura civil-militar.
A empresa foi sentenciada a pagar R$ 165 milhões em indenizações por danos morais e deverá publicar pedidos de desculpas aos trabalhadores atingidos e à sociedade brasileira em jornais, rádios e TVs de alcance nacional. A Volkswagen informou que recorrerá da decisão.
Segundo padre Ricardo Rezende Filgueira, professor da UFRJ e especialista em trabalho escravo, o caso da Volkswagen se insere em um contexto histórico no qual o governo brasileiro promovia a ocupação da Amazônia, sob o lema: “Integrar para não entregar”. Grandes conglomerados receberam incentivos fiscais e acesso facilitado à terra, enquanto trabalhadores pobres de várias regiões do país foram atraídos pelo discurso governamental, mas acabaram submetidos a condições de trabalho forçado.
“A primeira denúncia formal que recebemos da fazenda Vale do Rio Cristalino foi em 1977, quando o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santana do Araguaia encaminhou documentos à FETAGRI e à CPT. Esses registros foram essenciais para comprovar as violações e responsabilizar a Volkswagen”, explica o Padre Ricardo. Ele destaca a importância de documentar provas, organizar testemunhos e registros oficiais, pois a memória oral, embora valiosa, precisa do respaldo documental para que a Justiça possa agir: “Em um país cartorial como o nosso, sem papéis, tudo fica mais complexo.”
O trabalho escravo na fazenda incluía atividades como derrubada de mata, limpeza de pastos e feitura de cercas, sob rigoroso controle da entrada e saída de trabalhadores, que precisavam de autorização por escrito para se locomover. Empreiteiros e pistoleiros, como Chicô, Abilão e Adão Modesto, coordenavam o aliciamento e aplicavam punições severas. Entre os jovens que conseguiram escapar em 1983, três tinham apenas 17 anos.
Para o padre Ricardo, decisões judiciais como essa têm importante função histórica e simbólica, mesmo que tardias: “A reparação não apaga as dores das vítimas nem ressuscita os mortos, mas é necessária para que a história não seja esquecida e para que os mesmos erros não se repitam.”
O caso reforça a responsabilidade das empresas na reparação de violações históricas de direitos humanos e evidencia a importância de uma memória documental sólida para garantir justiça.
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