E expede recomendação à Reitoria para que apure os fatos administrativamente e adote mecanismos que possam coibir práticas e discursos discriminatórios no âmbito da universidade
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito civil público para apurar notícia sobre a ocorrência de discurso homofóbico por parte de um professor de Direito Processual Civil durante aulas para uma turma do 5º período de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo representação encaminhada ao MPF pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), nos dias 23 e 26 de março deste ano, o professor J.M.R.V. teria feito comentários discriminatórios em sala de aula ["Graças a Deus, existe um pouco de heterossexualidade no Direito"], além de críticas às cenas com um casal de lésbicas da novela Babilônia, da TV Globo.
Após a suposta fala preconceituosa, vários alunos se retiraram da sala de aula, como forma de manifestar sua discordância com o que fora dito pelo professor. Ele, então, teria repreendido os estudantes, chamando-os de "vagabundos".
Na sequência, teve início uma série de fatos que, segundo o MPF, demonstram que a Diretoria da Faculdade de Direito, a Coordenação do Curso e a própria Reitoria da UFMG omitiram-se na investigação do ocorrido, inclusive com possível assédio aos alunos para que relevassem os fatos.
Assim é que, após receber um requerimento da turma do 5º período pedindo o afastamento do professor, a coordenação do curso convocou uma reunião durante a qual afirmou que tal ato seria "impossível" e o melhor seria que os alunos se abrissem ao diálogo.
A diretoria, por sua vez, resistindo à instauração de procedimento administrativo para apurar os fatos, além de lembrar que a turma continuaria tendo aulas com o mesmo professor inclusive nos períodos subsequentes, ainda teria afirmado que, em caso de sindicância, "se quisesse, poderia manipular a comissão".
O vice-diretor também teria insistido na tese de que a melhor solução seria por meio do diálogo, já que eventual denúncia formal "transformaria a situação em puro litígio" e que eventual punição ao professor "não passaria de advertência".
Inconformados com a postura adotada pela direção da escola, professores e alunos protocolizaram, na Reitoria da UFMG, um documento intitulado "pedido de instauração de processo administrativo disciplinar", por meio do qual pediu-se não só a apuração dos fatos, como o afastamento cautelar do professor J.M.R.V., do diretor e vice-diretor da Faculdade de Direito e da coordenadora do curso.
Mas, também na Reitoria da UFMG, o caso não teve qualquer andamento.
A situação, já repudiada oficialmente pelos órgãos de representação dos alunos, como o Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP) e o Centro Acadêmico do Curso de Ciências do Estado (CACE), foi alvo ainda de cartas de repúdio emitidas pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos e pela seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pediu "rigorosa apuração dos fatos, através de devido processo legal, esperando que caso uma vez confirmadas as graves denúncias, sejam os autores punidos e, ainda, a retratação pública do Professor J.M.R.V.”.
Homofobia institucional - Para o MPF, a sequência dos fatos indicam a necessidade de se apurar "a possível omissão da Universidade Federal de Minas Gerais na adoção de medidas administrativas aptas a coibir, seja prevenindo, seja sancionando, a ocorrência de práticas e discursos discriminatórios em razão da orientação sexual, no âmbito acadêmico".
"A omissão leva à reiteração de condutas assemelhadas e não poderá prevenir possíveis retaliações a discentes, docentes e servidores que, por se sentirem agredidos ou por qualquer outro motivo, levarem ao conhecimento das autoridades a notícia da ocorrência de atos homofóbicos", afirma o procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto, Helder Magno da Silva.
Segundo ele, diante das denúncias que recebeu, era dever da direção da escola instaurar sindicância para apuração dos fatos, conforme determina o próprio Regimento Interno da UFMG. A falta de qualquer ação nesse sentido, inclusive pela própria Reitoria, "podem caracterizar a existência de verdadeira homofobia institucional, internalizada nas práticas cotidianas no âmbito dos diversos órgãos da administração da UFMG".
O MPF oficiou a todos os órgãos de direção pedindo esclarecimentos sobre os fatos no prazo máximo de 15 dias. Foi encaminhado ofício também ao professor J.M.R.V., indagando se ele deseja se retratar publicamente e celebrar termo de ajustamento de conduta para compensar os danos morais individuais e coletivos decorrentes de seus atos.
Além dos ofícios, foram encaminhadas duas recomendações. A primeira, dirigida ao diretor e ao vice-diretor da Faculdade de Direito, assim como à coordenadora do curso, recomenda a substituição cautelar do professor nas disciplinas subsequentes à de Direito Processual Civil I, afastando-se o costume vigente na faculdade segundo o qual um mesmo professor ministra todas as disciplinas da matéria, acompanhando a turma.
Recomendou-se ainda a adoção de mecanismos específicos para revisão de notas e abono de faltas atribuídas pelo professor J.M.R.V. aos alunos da Turma A do 5º período, de forma a afastar qualquer possível ato de retaliação.
A segunda recomendação, encaminhada ao reitor da UFMG, além de reiterar a necessidade de substituição cautelar do professor e de revisão das notas e faltas atribuídas aos alunos, pede imediata apuração dos fatos e adoção de mecanismos internos para coibir a ocorrência de práticas e discursos homofóbicos no âmbito da universidade.
Foi concedido prazo de 15 dias para o acatamento das recomendações.
da assessoria
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