terça-feira, 16 de junho de 2020

POPULAÇÃO NEGRA É MAIS ATINGIDA PELA FALTA DE SANEAMENTO BÁSICO

Disparidade acentua problemas de saúde e mortalidade no Brasil

Por ANTONIO CLARET JR E SAMUEL BARBI | DIRETOR GERAL DA ARSAE-MG E GERENTE DE INFORMAÇÕES ECONÔMICAS DA AGÊNCIA


Prestação de serviço de saneamento por etnia
Foto: Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil/IBGE



Estatísticas sociais da população negra
Foto: Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil/IBGE

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“I can’t breath!”, em português: “eu não consigo respirar!”. Foram algumas das últimas palavras pronunciadas por George Floyd antes de seu brutal assassinato no dia 25 de maio de 2020. Seus últimos suspiros transbordaram os sentimentos de uma população que há muito sente o peso do preconceito e da desigualdade.

Essa não é uma exclusividade dos Estados Unidos. No Brasil, as populações negras e pardas são a maior parte da população (57%), entretanto, estão mais presentes entre as pessoas abaixo das linhas de pobreza, tem menor representatividade entre os cargos mais importantes das instituições e posições políticas. As taxas de analfabetismo e de homicídios também são mais acentuadas entre eles. Isso significa que negros e pardos não competem em situação de igualdade com os demais, pois, estão sujeitos a condições menos adequadas de saúde, segurança e educação.

Indicadores
Importante ressaltar que, no Brasil, a desigualdade no acesso à água tratada, coleta e tratamento de esgoto é um fato. Conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, somos cerca de 40 milhões de brasileiros sem água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto.

Conforme a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 72,1% dos domicílios em que as pessoas residentes eram majoritariamente brancas dispõem de acesso simultâneo aos serviços de abastecimento de água, esgotamento e coleta de lixo. Nos domicílios em que os residentes são negros ou pardos o índice cai para 54,5%. “Isso decorre da associação entre indicadores de moradia e pobreza e da sobre representação da população preta ou parda na população pobre”, afirma o documento.

Adoecimento
Precisamente por isso, negros e pardos estão entre os mais afetados pela carência de saneamento no país, portanto, são mais sujeitos às chamadas Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI). Conforme dados do DataSUS, entre 1996 a 2014, foram 97.897 óbitos da população negra em função das DRSAI.

Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo dispara: “é como se 40 aviões caíssem anualmente com uma tripulação negra a bordo, tendo o Estado como piloto, as instituições sociais como copilotos e a sociedade como comissária de bordo (...) e 50% de cada Boeing dessa tripulação rumo à morte tem seus assentos ocupados por bebês de até um ano de idade.”

Tais doenças elevam os índices de mortalidade infantil, estão associadas com abandono e menor frequência nas escolas, somado a um maior absenteísmo no trabalho. Levantamentos do Instituto Trata Brasil revelam que trabalhadores que residem em locais sem saneamento adequado chegam a receber 52,4% a menos que aqueles que dispõem desses serviços. Adicionalmente, o custo do atraso escolar devido à falta de saneamento passa de R$ 16 bilhões/ano.

Temos aí um ciclo vicioso estabelecido: o preconceito reforça a pobreza, mantendo negros e pardos em condições inadequadas de competição. Eles estão mais sujeitos a doenças, menos propensos a uma educação de qualidade e, consequentemente, sujeitos a oportunidades de trabalho com menor remuneração. Tudo isso volta a reforçar os infundados preconceitos.

Medidas afirmativas
Esse ciclo vicioso precisa ser quebrado. Dentre as possíveis formas de acelerar essa transformação encontram-se medidas afirmativas nas áreas de saúde, educação e segurança pública. A relação entre saneamento e saúde fica cada vez mais clara, uma vez que o investimento em saneamento reduz abruptamente os gastos no tratamento das DRSAI, em proporção de US$ 1 para US$ 4, conforme estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os investimentos em saneamento têm efeitos consideráveis em relação a redução da mortalidade infantil, bem como estão associados a maiores frequências nas escolas e com a redução do abandono escolar. Ou seja, escolaridades maiores significam ganhos de produtividade e remuneração das gerações vindouras. Investir em saneamento é investir em menos desigualdade social, é fazer com que essas pessoas tenham, enfim, condições de respirar e acreditar num futuro melhor.


artigo publicado originalmente no jornal O Tempo
artes de O Tempo

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