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SEM CONTATO COM A CIDADE HÁ 15 ANOS, IDOSO VIVIA NO MATO DESDE 1982

Após visitarem Cassimiro, membros do MPMG esforçam-se para resgatar documentos do septuagenário e viabilizar recebimento de benefício de prestação continuada


O corpo é franzino, mas as mãos são espessas e revelam as décadas de trabalho pesado no cultivo da terra. Os olhos são vivos, sagazes e doces e escondem uma história que desperta curiosidade, empatia, perplexidade, piedade e outros tantos sentimentos de difícil denominação. Os movimentos são rápidos e súbitos, e impedem a aproximação de qualquer pessoa que represente ameaça. 

A casa, por sua vez, é um cubículo de condições absolutamente precárias, feita de barro e areia pelo próprio morador. Dentro dela, há apenas um canto para dormir, onde misturam-se trapos usados como coberta e roupa, uma trempe para o preparo de alguns alimentos e um espaço para as ferramentas, usadas diariamente.

Cassimiro Alves de Souza tem 71 anos e sua história é uma espécie de lenda para os moradores de Santa Cruz de Salinas, município localizado no Norte de Minas. Todos já ouviram falar de sua existência, mas poucos o conhecem. 

O septuagenário nasceu em 1944 às margens do rio Itinga, no Norte de Minas Gerais. Há 32 anos, vive sozinho no mesmo local, nas condições descritas. Não guarda qualquer documento consigo. Sabe ler e é bom de cálculos, mas há anos não tem contato com dinheiro. 

Logo que se instalou ali, em uma grande área de terra na localidade de Brejinho – situada a cerca de 7 km de Santa Cruz de Salinas – ele costumava ir à cidade para fazer trocas e garantir sua sobrevivência. Deslocava-se a pé até lá, pela estrada de terra aberta por ele mesmo. Levava lenha nas costas e trocava por alimentos.

Após alguns anos, porém, as permutas cessaram. “No início, a gente até ia lá, né? Mas agora tudo tem que comprar na cidade. E como a gente não tem dinheiro, não tem pra que ir lá mais”, explicou o idoso, que, por vezes, expressa-se utilizando a expressão “a gente”, ao invés da primeira pessoa do singular. Perguntado se não costuma vender as frutas que planta, o idoso é rápido na resposta: “Fruta não se vende, se dá”.

De fato, a oferta de frutas às pessoas é uma forma de Cassimiro estabelecer laços de confiança e amistosidade. Minutos após ter sido apresentado pelos amigos Arlando e Eduardo, de Santa Cruz de Salinas, à equipe do projeto MP Itinerante - desenvolvido pela Coordenadoria de Inclusão e Mobilizações Sociais (Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) -, o idoso tirou de casa um saco de mexericas e ofereceu aos visitantes. Como a oferta foi aceita, a conversa passou a fluir com tranqüilidade.

Isolamento
Já faz 15 anos que as idas de Cassimiro à cidade foram suspensas. Desde então, ele sobrevive das frutas que planta e de doações de amigos. “Eu gosto de carne, porque ela me dá sustância. Fruta só, não me dá sustância não”, diz. Segundo os amigos, as carnes preferidas de Cassimiro são toucinho, carne de sol e mortadela. Apesar da preferência pelas carnes, há muitos anos, ele não cria animais. “Já tive um ‘gadinho’, mas ele morreu. Aí acabou”.

O idoso também recebe regularmente doações de alimentos do município de Santa Cruz de Salinas. Há cerca de três anos, servidores da área da saúde foram visitá-lo para tirar bichos de seus pés e mãos. 

Além dessas raras situações de contato com pessoas, Cassimiro só costuma ver gente quando, eventualmente, algum de seus amigos aparece por lá para levar algo ou quando promove a tradicional festa de São João. “Todo ano ele faz. Acende uma fogueira e a gente leva biscoito e refrigerante. Algumas pessoas levam violão. Fica bem animado. Ele adora”, conta Arlando. 

Arlando e o irmão Eduardo revelam também que antes de o idoso ir morar em Brejinho, chegou a casar-se e teve uma filha, que mora em Ilicínea. Contudo, não teve mais qualquer contato com elas e se recusa a comentar sobre esse aspecto de sua vida. “Não pode tocar no nome da menina que ele se irrita”, alertam. “Também não pode perguntar dos documentos dele que ele acha que é gente do governo querendo saber e se esconde”, contam.

Trabalho
Conforme os irmãos, no passado, Cassimiro chegou a trabalhar em uma firma na cidade de São Paulo. No entanto, a experiência parece ter sido traumática, a ponto de o idoso rejeitar roupas com qualquer logomarca e alimentos acondicionados em sacolas plásticas que exibam símbolos. “Ele diz que essa firma roubou dele. Tudo que a gente leva para ele tem que ser em sacola sem logomarca de empresa. Se tiver símbolos, ele não aceita de jeito nenhum”, afirmam.

Segundo Arlando e Eduardo, Cassimiro também tem aversão a policiais, pois, no passado, foi retirado à força das terras de seu pai. “A terra foi vendida, mas ele não queria sair de lá”, relatam.

Desde que se mudou para o mato, a vida de Cassimiro é trabalhar a terra. Ele planta, seca e colhe café, cultiva abóbora, maracujá, mexerica, melancia, entre outros alimentos. Choupanas foram montadas por ele em pontos estratégicos da propriedade para descansar e guardar ferramentas. Do lado de fora de sua casa, é possível ver cerca de 50 enxadas completamente gastas. “Esse homem trabalha demais”, asseguram os amigos.

A terra é absolutamente sustentável, com barreiras de proteção das nascentes d’água e curvas de nível. A área encontra-se tão preservada que atrai a fauna. Rastros de mamíferos, como veados, podem ser flagrados em algumas partes da propriedade. Entre as árvores, são vistas madeiras típicas do cerrado brasileiro bastante conservadas, como a sucupira branca. 

Após a equipe do MP Itinerante identificar as necessidades de Cassimiro e tentar retirar dele, entre uma mexerica e outra, o máximo de informações necessárias para as medidas de proteção, despediram-se. “-Fique com Deus, senhor Cassimiro”. E, com um olhar firme, o anfitrião replicou: “- Que todo bem os acompanhe”. 

Benefício 
De acordo com o coordenador da Cimos, promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima, e com o procurador de Justiça Bertoldo Mateus de Oliveira Filho, da Coordenadoria de Defesa do Direito de Família do MPMG - que realizaram a visita -, o Ministério Público já trabalha para oferecer uma vida mais digna para Cassimiro. 

“Vamos resgatar a certidão de registro civil dele e, através do Programa de Inclusão e Educação Previdenciária (Piep) da Faculdade de Direito Milton Campos, parceira do MP Itinerante, vamos conseguir o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC). Assim, ele passará a receber um benefício mensal no valor de um salário mínimo e dependerá menos de doações”, informam.

Ainda segundo os membros do MPMG, quando sair o benefício, a Promotoria de Justiça de Salinas fiscalizará a entrega do valor. “Dessa forma, criaremos uma rede de proteção a Cassimiro”, completam com satisfação.
da assessoria

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