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COMO A HISTÓRIA DE AFRICANAS INSTIGA A REPENSAR O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE


Mulheres da etnia macua, maior grupo de Moçambique: satisfação sexual e controle socioeconômico integravam parte da cultura local 


Em Moçambique, no Sul africano, há o caso singular de mulheres que ocuparam papel central na sociedade e até hoje são conhecidas como “perigosas”, desafiaram convenções morais sobre o feminino, como restrições à liberdade sexual e controle socioeconômico. 

Isso nas décadas de 1920 a 1950 – muito antes de americanas queimarem simbolicamente sutiãs nos anos 1960. Para questionar ainda mais o imaginário ocidental sobre conservadorismo e falta de emancipação da mulher africana, elas são em sua maioria muçulmanas.

Essa particularidade integra o projeto de pesquisa coordenado pela professora de História da África Fernanda Thomaz, do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). 

O foco do estudo é a sociedade macua, com mais de 800 mil representantes, distribuídos na região pouco estudada do Norte de Moçambique – país que conquistou independência de Portugal em 1975. 

O poder feminino se vê em risco quando aumenta a influência islâmica e portuguesa na área – duas sociedades patriarcais. 

Fernanda verificou, em sua tese de doutorado, como parte desses conflitos emergiu, na época, por meio de cerca de 190 processos judiciais. 

O projeto concentra-se agora em ponto que lhe chamou a atenção: a maioria dos casos está relacionada direta ou indiretamente a adultério, tendo mulheres como acusadas.

Esta é a primeira notícia da série sobre mulheres a ser publicada, no portal da UFJF, como parte da discussão sobre o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. 

Ao mesmo tempo, a instituição deflagrou a campanha, no campus e nas redes sociais, “A Universidade é pública, meu corpo não” e o evento Semana da Mulher para discutir assédio e outras violências contra a mulher.

Mulheres ao centro
Uma das características dos macuas, no período estudado, era a forte presença da mulher na sociedade, considerada matrilinear. Por esse meio, a ascendência materna é a mais importante, ou seja, o filho pertence à linhagem da mãe. 

Na sucessão de um chefe político – dono das terras – em determinados grupos macuas, o herdeiro deveria ser o filho primogênito da irmã mais velha do falecido, e não como seria, na cultura ocidental, o filho do chefe com outra mulher. Para chefiar uma comunidade, o homem teria também de ter sua irmã no papel de conselheira.

“A mulher ainda detinha o controle dos meios de produção – em sua base mais agrícola, definia o armazenamento do celeiro e a economia doméstica. Ao se casar, não era o homem quem retirava a mulher da casa dos pais. Mas sim o marido quem se mudava para a casa da sogra, implicando conviver sob as diretrizes desse novo lugar. De certa forma, isso dilui o poder do homem, porque ele chega a um local onde não tem autoridade”, explica a professora.

As mulheres macuas também promoviam o autoconhecimento corporal e a liberdade sexual. Para garantir o ingresso na fase adulta, a mulher passava por rito de iniciação que incluía técnicas para sentir prazer sexual. 

Eram ensinadas não apenas a coordenar a casa como também a elevar o prazer por meio de ervas inseridas na vagina, métodos que expandiam os grandes lábios do órgão genital, pinturas e ranhuras na coxa. Garotos também passavam por ritual.

Conflitos

Professora Fernanda Thomaz em uma das quatro viagens a Moçambique
O poder e a liberdade feminina entram em risco com o aumento da presença de, principalmente, comerciantes islâmicos e colonizadores portugueses, pois o interior de Moçambique vivenciou a colonização com mais intensidade no final do século 19 e início do 20. 

Antes desse período, o foco eram regiões portuárias para o comércio no Oceano Índico.

Com a expansão, foi inevitável o choque com uma cultura que tinha a mulher com forte papel social. 

O jurista e coordenador de estudos etnográficos Gonçalves Cota, que atuou em Moçambique, definia as regiões com famílias “matrifocais”, coordenadas pela figura feminina, como menos evoluídas socialmente, mais distantes do modelo ocidental.

A professora Fernanda Thomaz busca perceber esses conflitos por meio dos processos levados ao Tribunal Privativo dos Indígenas de Pemba, instância jurídica colonial criada especificamente para os africanos, localizado na província de Cabo Delgado. 

Antes resolvidos de acordo com as normas das comunidades, os casos ganham novos contornos sob a égide portuguesa. 

Em análises preliminares, a docente aponta que os homens, ao entrarem com processos na Justiça, buscaram uma forma estratégica de empoderamento. Seriam disputas sociais complexas de gênero e de poder.

Fernanda relata o caso da mãe de um homem que entrou na Justiça porque seu filho tivera a mão queimada e fora obrigado a trabalhar nas terras de uma família. 

O motivo? Ele foi acusado por outro homem de ter tido um caso com a mulher dele, mas negava o fato diante do chefe da comunidade. Para tirar a dúvida, aplicaram prática local: colocaram uma pedra quente dentro de um recipiente. 

Se a mão dele se queimasse, estaria mentindo, ou seja, teria saído com a mulher do vizinho. A mão se queimou e ele foi condenado pelas normas locais a trabalhar nas terras do homem traído como compensação. Para sua esposa aparentemente não houve penalidade. 

Outro reclamante foi Joaquim Chicara. Em janeiro de 1950, relatou que havia ido trabalhar em outra cidade por dois anos e que enviava mesada à mulher Fahata Mando, com quem tinha dois filhos. 

Acontece que recebeu duas cartas informando que sua mulher estava grávida de cinco meses e morando com outro homem. Joaquim requeria a mulher e seus filhos de volta a casa em “respeito aos usos e costumes”.

A professora, a partir de aspectos da pesquisa em desenvolvimento, afirma que “o adultério apresentado nos procedimentos judiciais faz mais parte da concepção moral da sociedade portuguesa (ocidental) do que das relações e concepção de mundo das mulheres e homens macuas; o adultério, tal como compreendemos, tinha outra face e sentido para a sociedade macua do início de século 20”.

Atualidade
Traços das práticas culturais femininas ainda podem ser percebidas – mas necessitaria de nova pesquisa para a relação com a história ser melhor confirmada. 

Em uma das quatro viagens a Moçambique, Fernanda perguntava a mulheres do Sul do país como suas conterrâneas do Norte eram percebidas. “Elas não querem cuidar da casa, limpar vasilhas”, afirmaram as sulistas. As nortistas contra-argumentavam: “As do Sul só pensam em casamento”.

Dizem no país, segundo Fernanda, que as mulheres do Norte frequentam mesquitas durante o dia, mas à noite estão à solta, inclusive recorrendo à ajuda de feitiço para conquistar os homens. 

A professora recebeu inclusive o conselho de não ir ao Norte com o marido – também pesquisador sobre Moçambique -, para não correr o risco de perdê-lo para as mulheres macuas.

Outro aspecto difundido é o uso da capulana – tecido colorido usado para diversos fins, como saia, vestido, turbante e carregador de bebês. 

Em uma relação sexual, se a mulher não chega ao orgasmo, o homem é envolvido na capulana e não sai até que faça a mulher obter o prazer máximo.
da assessoria - UFJF


DOCUMENTÁRIO SOBRE A PRIMEIRA DEPUTADA NEGRA DO BRASIL SERÁ EXIBIDO NA UFLA

Antonieta de Barros
No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, será exibido na Universidade Federal de Lavras (UFLA) o documentário “Antonieta”, que conta a história da educadora, jornalista, escritora e política Antonieta de Barros.

Ela foi a primeira mulher negra eleita parlamentar no Brasil, em 1934, em Santa Catarina. A exibição será às 19h30, no Anfiteatro do Departamento de Ciências Exatas (DEX).

A entrada é gratuita e, após a exibição, será feito um debate sobre o panorama da emancipação feminina, discutindo avanços e desafios.

Lançado no final de 2015, o documentário “Antonieta” foi produzido pela cineasta paulistana Flávia Person. No filme, que conta a sua história e suas batalhas, foram utilizadas imagens de acervos e fotos cedidas por familiares.

Com os colegas deputados na posse, em 1935. Antonieta é a 3ª, da esq. p/ dir., sentada

Catarinense e filha de escrava liberta, Antonieta de Barros dedicou-se a três causas: emancipação feminina, valorização da cultura negra e educação para todos.

Antes mesmo de ingressar na política, já demonstrava preocupação com essas pautas, tendo fundado um curso voltado para alfabetização da população carente em 1921.

Além disso, fundou e dirigiu o jornal “A Semana” (1922 a 1927) e dirigiu uma revista antes de ser eleita. Com o pseudônimo de Maria da Ilha, escreveu o livro “Farrapos de Idéias”, em 1937.
com Mateus Lima - da assessoria UFLA

Leia também: Homicídios contra mulheres é desafio em Minas

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