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TCE REALIZA AUDITORIA OPERACIONAL EM UNIDADES DESTINADAS A PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA


Paola Manuela estava recostada no sofá da sala de uma casa grande no bairro Lagoinha, região central de Belo Horizonte. O espaço em algum momento do passado, provavelmente, era residência de uma família, mas hoje abriga o Centro Pop de Mulheres, instituição criada pela Prefeitura (PBH) da capital para acolher pessoas em situação de rua. O local é um dos equipamentos que dão apoio aos cidadãos que não tem uma moradia fixa e contam com as políticas públicas. Lá as pessoas podem tomar banho, lavar as roupas, descansar, ver televisão, desenhar, recebem encaminhamento para médicos, promotores públicos, além de atendimentos com psicólogos e assistentes sociais.

O volume da tevê estava bem alto, mas não parecia incomodar as pessoas que repousavam nos colchonetes espalhados pela sala. Havia cinco ou seis mulheres que dormiam por ali. Com um turbante rosa-claro na cabeça, feito de um tecido fino, Paola, uma mulher transexual, alta e magra, zapeava pelos canais e se distraia com os desenhos. Quando questionada sobre qual animação mais gosta, Paola não teve dúvidas: As três espiãs demais! Ela se identifica com a personagem Clover, conhecida por ser fashionista e inocente. “Ela tem um bom coração”, justificou.

Desde o início de 2025, o Tribunal de Contas tem realizado uma Auditoria Operacional para avaliar a eficiência e a qualidade dos serviços oferecidos pelos instrumentos voltados à população de rua. Ao todo, hoje em dia, Belo Horizonte conta com cinco Centros Pop, com atendimento exclusivo à população de rua. Os outros equipamentos, como centros de referência e abrigos, recebem também imigrantes, população de baixa renda e outras pessoas necessitadas. Segundo dados levantados pela Universidade Federal de Minas Gerais, mais de 14 mil pessoas estão em situação de rua só na cidade de Beagá, o que torna a capital mineira a terceira com maior número de cidadãos sem casa.

A auditora de Controle Externo do TCE, parte da equipe técnica que tem visitado essas instituições, Janaína Evangelista, contou que, além de analisar o atendimento, o trabalho também fiscaliza como é feita a articulação entre os outros serviços oferecidos pela Prefeitura, para garantir os direitos dessa parcela da sociedade. “O mais importante, na verdade, é ajudar a população a romper o ciclo de permanência nas ruas”, pontuou.

Janaína também explicou que, ao final das inspeções, o TCE desenvolve um relatório preliminar para que a Prefeitura possa pedir adequações e sugestões. Em seguida, com o relatório concluído, um conselheiro é eleito para analisar e levar o voto em sessão plenária para o conhecimento dos outros colegas. Após a votação, a PBH vai ser convocada a apresentar um plano de ação, especificando quais medidas serão tomadas, com prazos e objetivos. Para garantir que as atividades estejam sendo desenvolvidas, o TCE continua acompanhando o cumprimento do programa, a partir de um cronograma proposto.

Para Danielle Alves, coordenadora do Centro Pop de Mulheres, o trabalho é um compromisso com as pessoas em situação de rua. “Enquanto profissional, mas principalmente enquanto mulher”, completou. Entre as ações oferecidas pelo instituto, Danielle destaca a “escuta pensada, intencionada e desinvestida de preconceito para que a gente possa entender o contexto de vivência dessa pessoa que culminou a ida para a rua e, a partir daí, repensar e reconstruir estratégias de proteção com dignidade”.

Assistidas
Entre recusas e pedidos para serem ouvidas e entrevistadas, as assistidas não pareciam se importar com a equipe do TCE que visitava o lugar. Paola Manuela foi uma das mulheres que contou a história de vida. Ainda jovem perdeu os pais e a casa onde morava pegou fogo. Sem ter para onde ir, começou a se prostituir pelas ruas de Belo Horizonte, até conhecer os serviços oferecidos para a população carente. No último ano se formou no Ensino Fundamental pelo programa Educação de Jovens e Adultos, destinado a pessoas que não tiveram oportunidade de cursar instituições de ensino no período regulamentar. Recebe Bolsa Moradia e aguarda a construção da casa própria, em outro programa do governo que tenta estabilizar a vida de pessoas vulneráveis.

Janine Monteiro Santos antecipa: “Antes que me chamem de ‘ele’, já aviso: eu sou uma mulher trans, mas tirei a minha prótese e meu cabelo, porque tive alguns problemas”, alerta, sem entrar em detalhes. Baiana, chegou em Belo Horizonte para morar com uma tia, porém ficou sem amparo quando a parente morreu. Hoje não está mais em situação de rua, cursou a escola e hoje sonha em concluir a faculdade de Educação Física, que já iniciou. Com falas lúcidas, Janine explicou que, para acessar os benefícios que o Governo oferece aos moradores de rua, é necessário frequentar os centros de passagem e abrigos por “seis meses ou um ano”, não soube precisar. Outro direito é o cadastramento e a avaliação de imóveis para aluguel feito pela Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte, Urbel. Janine também trabalha como faxineira em uma franquia de lojas de chocolates, em um shopping da capital.

Roberta Dany Mingote estava sentada em um canto, sozinha. Há nove anos morando na rua, busca o Centro Integrado de Atendimento a Mulheres quando quer sossego, silêncio e se esconder do sol. Os dois filhos moram com os avôs, mas ela conta que ficou muito tempo fora, trabalhando em Cabo Frio, estado do Rio de Janeiro, e quando a empresa que administrava faliu, não se acostumou com as regras da casa dos pais. Preferiu a vida difícil das ruas.

As assistidas contam que o convívio é difícil. “A consequência da convivência é o atrito”, afirma Janine. Todas ali têm uma história de alguma experiência de conflito com as colegas, como roupas que somem ou sobre pessoas que chegam alteradas pelo uso de entorpecentes. “A droga é uma válvula de escape total para a gente poder liberar ou prender uma mágoa, trauma ou medos que temos. No frio, a gente quer cachaça para deitar e esquecer. A gente desmaia”, contou Roberta.

Os olhos claros se destacam ainda mais com o cabelo tingindo de loiro. Roberta diz que no Centro Pop ganha shampoo, condicionar, desodorante e, às vezes, até creme para a pele. Sobre os brincos e a roupa, ela diz que customiza o que ganha em doações ou encontra no lixo. “As pessoas não sabem, mas nosso lixo é riquíssimo!”.

Além da acolhida e da higiene, as assistidas destacam que gostam das atividades desenvolvidas pela instituição e do espeço destinado à criação, como as oficinas de artes. Jaqueline Aparecida de Andrade, por exemplo, contou que gosta de desenhar ‘casinhas’. “Como se fosse a minha casa para morar”, explica. Dentro da moradia, ela diz que quer ter uma cama, fogão e “levantar todos os dias e agradecer a Deus pela oportunidade de ter uma casa”, sonha.

Depois do almoço, Paola Manuela voltou a deitar no sofá. Na televisão, a vinheta de abertura-padrão dos filmes Disney. “A princesa que eu mais gosto é a Pocahontas”, sorri com o canto da boca. “Eu gosto dela porque ela é uma mulher livre. Eu me acho uma mulher livre, mas às vezes presa. Presa pelo preconceito, pela homofobia e muito das coisas que me afetam”, reflete. “Hoje em dia eu digo que a minha barba não me define. Eu sou a Paola. Eu não preciso de uma prótese, eu não preciso de gritar para mostrar que eu sou a Paola”.

Os relatos sobre as dificuldades que encontram nas ruas se assemelham. Sentem-se rejeitadas, passam frio e fome. “(Na vida) tudo passa. A lágrima passa. O frio passa...”, Paola fala de maneira otimista. “Quando o frio bate, a gente tenta aquecer com amizade, com sorriso e com a esperança de que tudo vai melhorar”, nos ensina.

*da assessoria do TCEMG

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