Pular para o conteúdo principal

FILHOS E NETOS DE EX-HANSENIANOS DÃO FUNÇÃO A ESPAÇOS ABANDONADOS PELO ESTADO EM UBÁ

Depois de Bambuí, que teve em maio a visita do Museu da Oralidade, foi a vez de Ubá, cidade da Zona da Mata mineira, receber a oficina de metodologia em memória oral. Ubá é sede da Casa de Saúde Padre Damião (CSPD), uma das quatro ex-colônias de hanseníase de Minas Gerais. Na prática, a ex-colônia fica mais próxima da cidade de Tocantins do que propriamente de Ubá. A viagem entre Belo Horizonte e Ubá é tranquila, principalmente enquanto é feita pela BR-040. Alguns quilômetros antes de Barbacena, o carro segue por outra estrada menor, sem acostamentos, com mais de 200 curvas segundo contagem extra-oficial. Seria um trecho de fazer qualquer um se sentir mal não fosse a bela vista do alto da serra, de onde se avistam cachoeiras, montanhas, casarões antigos e muito verde.

A colônia Padre Damião tem semelhanças e peculiaridades em relação às similares Santa Fé (Três Corações) e São Francisco de Assis (Bambuí). A começar pela localização na zona rural, situação típica dos locais onde eram internados os chamados "leprosos". A chegada é pelos prédios dos hospitais, que a exemplo das demais casas de saúde, ainda funcionam com atendimento à população. Eles cercam uma praça bem conservada, mantida pela Fundação Hospitalar de Minas Gerais (FHEMIG). Atrás dos hospitais, estão os pavilhões onde antigamente os hansenianos moravam (foto acima). Alguns ainda são moradias dos remanescentes do tempo da internação compulsória. Ao contrário de Bambuí e Três Corações, praticamente não há pavilhões abandonados na ex-colônia de Ubá.

 Mas não que isso fosse vontade do governo de Minas Gerais, responsável pela manutenção dos espaços. Os prédios onde funcionavam habitações de doentes foram ocupados por filhos e netos dos antigos moradores. Como edifícios públicos não podem ser alvos de usucapião, a ocupação é considerada ilegal e tida pela Fhemig como "invasão". Não por acaso o assunto é tratado como altamente delicado por funcionários da instituição.

Além dos pavilhões, terrenos baldios nos arredores foram ocupados por descendentes dos ex-hansenianos. Muita gente contruiu casa por ali. Alguns são mais caprichosos e tiveram condições de rebocar e pintar a fachada. Outros estão com tijolos aparentes. E não são apenas residências: muitos moradores aproveitaram para construir "puxadinhos", onde funcionam bares, restaurantes e mercearias. É o caso, por exemplo, de Marli de Assis, que tem uma venda de ração para gado e animais domésticos (foto acima). Frequentadora da igreja Deus é Amor que funciona no pavilhão ao lado da casa que construiu com o ex-marido, ela contou que é filha de pai e mãe hansenianos, que vieram para Ubá por conta da doença.

Caminhando pelo local é fácil estimar que devem morar por ali cerca de 2 mil pessoas, que têm água e luz custeados pelo Estado, uma vez que estão em terreno público. A ocupação dos espaços, por si só, não é propriamente negativa. Se as colônias foram construídas com recurso público, é de se esperar que os espaços sirvam para alguma finalidade social, a fim de se evitar desperdício de dinheiro. Em Bambuí e Três Corações, por exemplo, tudo indica que os vários pavilhões abandonados irão para o chão em breve, pois não há solução politicamente viável à vista para dar funcionalidade a tantos prédios. O que complica a situação, no entanto, é a vulnerabilidade à qual os moradores estão submetidos.

Como estão numa espécie de "terreno sem dono", faltam opções de lazer, esporte, cultura e serviços em geral. É comum ouvir de alguns moradores o relato de que os jovens consomem e vendem drogas no local, com destaque para o crack. Como também não possuem escritura dos terrenos ou dos pavilhões, existe a possibilidade de serem removidos com um termo de reintegração de posse.  A memória oral será adotada pela comissão de memória da FHEMIG local para valorizar os saberes que os ex-hansenianos ainda guardam. Ubá será a terceira ex-colônia de Minas a realizar o Mutirão de Histórias de Vida, depois de Bambuí e Três Corações.
do Viraminas.org

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CRESCIMENTO ORDENADO

São célebres e recorrentes exemplos de cidades que, ao experimentar ciclos duradouros de crescimento, deixaram de lado o planejamento urbano e viram parte dos avanços conquistados se converter em degradação.    Para fugir desse indesejável efeito colateral do desenvolvimento, Pouso Alegre, no Sul de Minas, se dedica à modernização das leis que regimentam o uso, a ocupação do solo e a disposição urbana em todas as suas dimensões. Não se trata de uma discussão trivial. Até o final de 2013, ao menos quatro projetos de leis foram elaborados pelo Executivo e aprovados pela Câmara de Vereadores com a missão de estabelecer as regras fundamentais sobre as quais será baseada a expansão urbana da cidade pelas próximas décadas, quando sua população pode triplicar, se aproximando de 500 mil habitantes. O conjunto de leis moderniza e complementa o Plano Diretor Municipal, estabelecendo critérios a serem observados na construção e disposição de imóveis, conforme sua localização e fi...

GRANA NO CAIXA

Entre julho e setembro deste ano de 2023, os municípios receberam um valor menor de Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essa redução foi por conta da redução do ICMS dos combustíveis feita na gestão do ex-presidente Bolsonaro. Para compensar essas perdas que atingiram negativamente as receitas dos municípios brasileiros, o Governo Lula está repassando R$ 4 bilhões para os municípios brasileiros. Com isso, o município de Lavras acaba de receber mais de 1,9 milhões de reais para cobrir essas perdas e manter os recursos da prefeitura sem prejuízo. 

BELEZAS DO CAMPUS

Se você já caminhou pelo campus da UFLA e olhou para o alto, provavelmente se deparou com esse incrível símbolo da biodiversidade brasileira: o tucano. Com seu longo bico alaranjado e plumagem preta, ele chama atenção por sua beleza e importância ecológica. No entanto, não se engane: apesar de ser encantador, o tucano é considerado um animal silvestre e predador. Os tucanos costumam viver em pares ou em bandos de até duas dezenas, deslocando-se em fila indiana durante o voo. Eles são considerados onívoros e sua alimentação é variada. Apesar de uma dieta majoritariamente composta por frutas e insetos, eles também se alimentam de ovos, filhotes de outras aves e pequenos vertebrados, revelando uma notável adaptabilidade alimentar. É fundamental destacarmos o importante papel que essas aves desempenham na natureza. Ao espalharem sementes durante seus voos, elas promovem a regeneração das florestas. Isso reforça a importância de sua preservação e a necessidade de combater a comercialização ...