Por volta das 13h desta, quarta-feira, 4, um ato praticado pelos vigilantes terceirizados da Universidade Federal de Lavras (UFLA) provocou uma grande mobilização de estudantes durante quase todo o dia de ontem, quinta-feira, 5.
Na quarta-feira, um estudante que estava de saia foi barrado pelos vigilantes e impedido de entrar no Campus. De acordo com o universitário, ele chegou a ser abordado também por policiais militares, que acharam que era um trote.
Após tomarem conhecimento do ato preconceituoso sofrido pelo colega, a reação foi imediata. Ainda na quarta-feira, estudantes da UFLA marcaram um ato denominada "Saiato" nas redes sociais e na manhã da quinta-feira última, 5, fizeram uma manifestação e ocuparam a Portaria da instituição.
Contra o preconceito, vestindo saias e com cartazes, eles pararam o trânsito na entrada da universidade e questionaram a ação dos vigilantes que barraram o aluno e também da PM.
Em seguida os manifestantes se deslocaram para o Campus Universitário e na parte da tarde, seguiram para a Reitoria da universidade, onde ocuparam pacificamente o hall de entrada e exigiram que os dirigentes da instituição viessem se reunir com o grupo.
Em entrevista a EPTV Sul de Minas, no dia da manifestação, o reitor da UFLA, professor José Roberto Soares Scolforo disse que a universidade iria trabalhar para que as pessoas que tenham como opção se vestir desta forma pudessem ser cadastradas.
"Vamos trabalhar um cadastro para que as pessoas que têm essa opção, elas se cadastrem e os vigilantes vão saber então que essas pessoas têm essa forma de se vestir como opção. Aí nós vamos conseguir cumprir a nossa norma do conselho universitário de proteger os estudantes, as famílias, quanto ao trote e ao mesmo tempo respeitar as diversidades que existem dentro da nossa instituição", disse o reitor a equipe de televisão.
O dirigente da instituição ainda falou sobre a conduta do vigilante. "A pessoa veio fora de um padrão considerado por ele razoável observando as normas e portanto ele de uma forma extremamente cortês considerou que aquilo ali não era uma vestimenta adequada", disse o reitor José Roberto Scolforo.
O anúncio da criação de um cadastro e fala do reitor gerou uma grande polêmica e revoltou os manifestantes e as lideranças sociais.
Para os estudantes e funcionários da instituição, criar um banco de dados com as roupas dos estudantes poderia despertar ainda mais preconceito.
Diante da repercussão nacional do fato, a Universidade Federal de Lavras divulgou uma nota na última sexta-feira, 6, por meio de nota afirmando que o cadastro sugerido pelo reitor José Roberto Scolforo para evitar casos como o do aluno que foi barrado ao entrar de saia na universidade, não vai mais acontecer.
O Sindicato dos Servidores Técnicos Administrativos (SindUFLA) também se posicionou sobre o anúncio feito pelo reitor e destacou que a universidade tem que incentivar o respeito às diferenças. O reitor negou que o fato fosse um caso de homofobia.
Confira a nota divulgada pela Direção da UFLA na última sexta-feira:
Nota de esclarecimento - impedimento da entrada de estudante na UFLA
Na quarta-feira (4/5), por volta das 13 horas, um estudante da Universidade Federal de Lavras (UFLA) foi abordado por vigias da Instituição, por estar trajando saia. A ação teve como referência a Resolução do Conselho Universitário (Cuni) Nº 020, de 29 de abril de 2015, que trata da proibição de trote no câmpus universitário.
A abordagem teve a intenção de orientar o estudante sobre as normas da Universidade relativas à proibição de ações constrangedoras contra estudantes ingressantes, caracterizadas como trote. Isso porque a Universidade vivencia neste momento a recepção de novos calouros.
A Direção Executiva da Universidade reforça que não corrobora com atitudes que evidenciem qualquer forma de opressão, preconceito ou discriminação (racismo, machismo, homofobia, lesbofobia, transfobia entre outros). Também não é prática na Universidade o impedimento ou cerceamento às liberdades individuais, preceitos fundamentais ao Estado Democrático de Direito.
A Direção Executiva lamenta o fato ocorrido e, reforçando sua postura de respeito à diversidade e as diferenças, determinou a abertura de processo de sindicância investigativa. Vale ressaltar que o processo destina-se a apurar a existência de irregularidade praticada no serviço público prevista pela Lei nº 8.112/1990. Aplicam-se à sindicância as disposições relativas ao contraditório e ao direito a ampla defesa.
Adicionalmente, em reunião com o grupo de estudantes mobilizados em torno da causa de “identidades e expressões de gênero, sexualidades, diferenças e diversidades”, ficou definida uma agenda para debate aberto sobre temas de interesse da comunidade acadêmica, com ações continuadas de educação e incentivo aos movimentos sociais de respeito às diversidades. Essa agenda vai contemplar campanhas educativas, audiências públicas, apresentações e treinamentos.
Quando questionado sobre a forma de aliar a proibição ao trote na Universidade e ao mesmo tempo respeitar as diferentes formas de expressão e identidades de gênero, o reitor da UFLA, professor José Roberto Scolforo, sugeriu que a opção de vestimenta do estudante poderia ser registrada, como já foi aprovado na Universidade o uso de nome social. Todavia, acatou prontamente a sugestão dos estudantes para o uso da carteirinha estudantil para distinguir estudantes veteranos de calouros, esses suscetíveis ao trote. A solução proposta é simples e prática, evitando-se interpretações enviesadas de preconceito. A equipe de segurança da Universidade já foi orientada a adotar o procedimento, com especial atenção à livre forma de expressão, incluindo os estudantes ingressantes. Vale ressaltar que a medida será complementada com ações educativas em curto, médio e longo prazos.
Ressalta-se, ainda, que o trote continua sendo ato proibido na Universidade, com todas as implicações contidas na Resolução que dispõe sobre o tema.
Confira a nota divulgada pelo SindUFLA:
Nota de posicionamento
O Sind-UFLA, Sindicato dos Servidores Técnicos Administrativos em Educação das Instituições Federais de Ensino de Lavras, vem a público externar seu espanto e indignação diante da intenção do magnífico reitor da Universidade Federal de Lavras, José Roberto Soares Scolforo, de constituir cadastro de pessoas que se vestem de forma diversa da considerada adequada no ambiente acadêmico, conforme entrevista dada à EPTV, no dia 05.5.2016.
A proposta apresentada pelo magnífico reitor, como resposta ao incidente do impedimento do ingresso no campus de um aluno trajado de forma diversa da considerada “adequada” fere as liberdades individuais, preceitos dos mais caros ao Estado Democrático de Direito. Ao limitar tais garantias, qualquer Instituição golpeia, de pronto, os pilares que sustentam a justiça social e a sua constante busca por equidade.
A universidade não pode adotar a “normalidade” ou a “padronização” como critérios abalizadores de tais direitos fundamentais sob pena de constituir restrição de uma garantia que deveria assistir a todos. A naturalização de tal comportamento remete a tempos sombrios quando regimes totalitários assumiam a guarda e a operação do ordenamento pátrio.
É razão de ser da universidade o ensejo do debate franco de ideias e da busca de soluções reais para os polêmicos temas que se apresentam. Portanto, não aceitaremos a segregação, a demarcação e o constrangimento como meio de desenlace da questão posta. O reconhecimento do problema, a peleja de ideias e o congraçamento de toda a comunidade acadêmica devem servir de guia para a construção de uma UNIVERSIDADE DE FATO!
Um comentário:
Costura e cultura
A banda Kaçamba canta a canção "SAIA E BICICLETINHA" que é sucesso no Brasil. A letra tem os seguintes versos: "Ela sai de saia / De bicicletinha / Uma mão vai no guidon / E a outra tapando a calcinha ... Vamos liberar geral vamos tirar essa mão / Eu quero ver a cor da sua calcinha".
O Pablo não é músico e nem dança em alguma banda. Pablo é estudante de química da UFLA. Pablo não estava de bicicletinha, estava caminhando a pé próximo da portaria da UFLA. Na quarta feira o Pablo vestia uma saia longa que varria o chão. De repente, um homem se aproximou: (VOZ GROSSA) - Ei Pablo, onde você vai com essa saia? (Perguntou o segurança da UFLA). Passou um carro da polícia e outros homens se aproximaram do Pablo, todos com fardas militares:
A identificação oficial do Pablo: "Ele vai de saia longa varrendo o chão / Caminhando de vagar / Uma mão segura o caderno / e na outra mão o celular" ... A história do Pablo não é a poesia da canção Saia e Bicicletinha da banda Kaçamba. A saia longa que varre o chão é forma de expressão e transmite informações e ideias por meio da costura e do designer. A saia longa não desperta prazeres pornográficos, não é curta de mais e nem expõem a nudez. A moral, a ordem pública e o bem estar da sociedade não estão sendo atingidos pela saia longa do Pablo.
A declaração universal dos direitos humanos nos artigos 19 e 20 pode ser considerada uma fonte de pesquisa do Pablo para criar sua moda: Artigo 19 Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo 29 §1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. §2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
Pablo parece ter lido este texto da Declaração dos direitos humanos, cortou o pano e costurou a roupa.
Mas quantos jovens entram na UFLA com fantasias estranhas e com pedaços de madeira pendurados no pescoço? Estes calouros estão com fantasias e placas de madeira dentro do campus por que foram forçados a se vestirem desta forma. É trote, é imposição, é um ritual de inicialização. Estes calouros não são impedidos pelos guardas, normalmente.
Alguém com saia longa que varre o chão, cadastrado oficialmente, teria que estar com a carteirinha ou documento para poder transitar com liberdade no campus da UFLA? Alguém com saia, sem a carteirinha que identifica o cadastro, se for encontrado pelos seguranças armados seria obrigado a se retirar do campus?
A cultura do trote na UFLA e a alta costura apresentam uma multiplicidade de elementos que a UFLA precisa estudar melhor.
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