Representante alegou que a exposição violava legislação penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) em Minas Gerais, órgão do Ministério Público Federal (MPF), arquivou representação feita por um cidadão apontando suposta ocorrência de "vilipêndio a ato ou objeto de cunho religioso” no 19º Festcurtas BH, realizado em outubro pela Fundação Clóvis Salgado, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
O representante pedia a responsabilização do Estado de Minas Gerais, da Fundação Clóvis Salgado (FCS), do Município de Belo Horizonte e da Curadoria do evento por infração, segundo ele, a dispositivos do Código Penal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em razão do fato de não haver "proibição expressa" para que menores visitassem a exposição.
Ao se manifestar, o MPF esclareceu que somente recebeu a representação em 17 de outubro, quando o evento já havia se encerrado (o que ocorreu no dia 8 de outubro).
Com isso, o pedido do representante de impedir a ocorrência do Festcurtas já estava impossibilitado.
Mesmo assim, para o Ministério Público Federal, tal medida, se ainda possível, não deveria ocorrer, porque configuraria ato de censura, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
"Do mesmo modo, no caso em comento não há que se falar em responsabilização posterior, eis que os fatos supostamente ilícitos apontados pelo representante encontram-se ressalvados pelo direito à livre manifestação artística e cultural, não havendo de se falar em qualquer irregularidade, ilegalidade ou inconvencionalidade. Registre-se que o próprio representante informou a existência de placa indicativa por se tratar de exposição não recomendada para menores de 18 anos, cumprindo-se, assim, o que determina a lei", afirma o despacho.
Nota técnica - O MPF também cita trechos de Nota Técnica expedida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), segundo a qual “a liberdade constitucional abrange inclusive ‘manifestações deseducadas, inadequadas e de extremo mau gosto’. O ‘incômodo’ provocado pela manifestação em certas audiências não é justificativa para que a expressão não esteja constitucionalmente protegida”.
Com relação à proteção de crianças e adolescentes contra conteúdos inapropriados à sua faixa etária, a Nota Técnica afirma que "Segundo critério adotado pelo próprio Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação–DJCTQ, a nudez não-erótica (exposta sem apelo sexual, tal como em contexto científico, artístico ou cultural) não torna o conteúdo impróprio para crianças, mesmo as menores de 10 anos".
Além disso, a "atual regulamentação infraconstitucional e infralegal da matéria não obriga todo e qualquer espetáculo ou diversão a requerer prévia classificação etária ao órgão competente do Ministério da Justiça. Apenas as obras audiovisuais destinadas à televisão e aos mercados de cinema e vídeo doméstico, os jogos eletrônicos, aplicativos e os chamados Role-Playing Games devem ser previamente submetidos à análise do Poder Público Federal (...). Todos os demais espetáculos e diversões públicas (espetáculos circenses, teatrais e shows musicais, competições esportivas, exposições de arte) além de conteúdos divulgados em sites de Internet e obras literárias dispensam qualquer tipo de classificação etária prévia por parte do poder público".
Assim, os "responsáveis pelo espetáculo ou diversão têm como obrigação geral informar ao público, prévia e adequadamente (em local visível e de fácil acesso) sobre a natureza do evento e as faixas etárias a que não se recomende", competindo "exclusivamente aos pais ou responsáveis decidir sobre o acesso de menores de 18 anos a programas televisivos e diversões e espetáculos em geral (Constituição, art. 220, § 3º, inciso I, e STF, ADI 2.404/DF)".
A alegação do representante de que o material da exposição, por conter imagens com suposto conteúdo erótico, configuraria ainda crime contra crianças e adolescentes também não foi acolhida pelo MPF.
Ainda citando a Nota Técnica da PFDC, a decisão que indeferiu a instauração de procedimento investigatório diz que, para configurarem os crimes do Código Penal e os previstos no ECA, os atos devem envolver a prática de ato libidinoso ou o uso da nudez para finalidades sexuais.
"Obras literárias, desenhos e outras representações gráficas não-realistas (isto é, que não envolvam nenhuma criança ou adolescente real) relacionadas à pornografia infantil, por mais ofensivas que sejam, não constituem ilícito penal em nosso ordenamento jurídico. E a nudez de uma pessoa adulta, desde que não envolva a prática de nenhum ato público voltado à satisfação da lascívia própria ou alheia (finalidade sexual do ato), não constitui crime no direito brasileiro".
da assessoria do MPF-MG
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