quarta-feira, 30 de maio de 2018

NÃO, EU NÃO POSSO TER CABELO CURTO


Desde metade de 2016, houve um BOOM de garotas de cabelos curtos ou raspados. E isso foi um passo importantíssimo ao empoderamento feminino. 

Totalmente contrário ao que a sociedade havia criado estereotipadamente para elas, as mulheres estavam chutando o balde e se tornando livres para serem como queriam ser, ignorando a pressão masculina sobre como elas deviam se vestir ou se portar. E como tudo isso eclodiu na mesma época, o apoio mútuo entre elas foi fundamental.

Eu moro com duas garotas de cabelo raspado, e particularmente acho maravilhoso. Recentemente, fui questionada por uma colega de trabalho: “Agnes, você acha cabelo longo fundamental?” Meu cabelo é comprido, mais ou menos um palmo e meio abaixo do ombro. Naquele momento, também me perguntei: Porque não ter um cabelo curtinho? seria tão mais fácil de cuidar, me pouparia as 3 horas semanais fazendo chapinha, fora sensação maravilhosa de sentir o ventinho na nuca. 

Porém, nesse mesmo momento, todos esses pensamentos maravilhosos foram subitamente interrompidos por uma outra questão: As pessoas respeitariam o meu gênero se eu tivesse o cabelo curtinho ou raspado? E quando me pergunto isso, não me refiro aos amigos e colegas de faculdade, mas sim sobre a moça da padaria, o atendente da farmácia, o porteiro da minha faculdade. Eles ainda me veriam como mulher?

Mais ou menos na metade do ano passado, num desses grupos de facebook que participo, lembro-me de ter visto o relato de uma garota trans que trabalhava na cozinha de um fast food em São Paulo. 

Apesar de possuir um crachá com nome social, que ela conseguiu depois de muita luta, ela escreveu que todas as vezes que ia trabalhar de calça jeans, as pessoas do trabalho a tratavam no masculino. 

Apesar de questionar sem muito êxito, percebeu que era obrigada a ir trabalhar de vestido ou saia todas as vezes se quisesse ter seu gênero respeitado, apenas porque os seus colegas de trabalho se recusavam a respeitá-la quando ela fugia do vestiário tido como feminino. 

Dessa maneira percebi que nós pessoas trans, que não conseguimos passar por pessoas cis, estamos presos nos estereótipos de gênero de tal forma, que qualquer leve desvio, pode ser a chance das pessoas simplesmente ignorarem quem somos. 

Claro, que a maioria de nós está confortável seguindo esse protocolo de gênero, porém, as coisas são bem menos flexíveis para nós que para as demais pessoas. 

Se uma de minhas amigas cisgêneras quiser sair de calça, moletom e boné por aí, ninguém vai tratá-las diferente por isso. 

O mesmo já não posso dizer caso eu saia desse jeito. Portanto, não, infelizmente eu não posso ter cabelo curto, ou sair sem maquiagem. Nem os meninos trans podem ser afeminados, ou nem ter cabelos longos. 

Pelo menos não sem pagar o preço. Porque isso pode nos custar o mínimo que precisamos que é o respeito sobre quem a gente é. Claro que uma série de questões podem influenciar, mas eu, Agnes, não me sentiria segura saindo por aí de cabelo curto ou sem maquiagem, justamente porque eu não saberia lidar com as consequências. 

Se do jeito que estou hoje, depois de tanto caminho até chegar em onde estou agora, e seguindo todo esse protocolo implícito de “feminilidade”, ainda sou frequentemente questionada, já podemos imaginar como a sociedade reagiria a Agnes andando por aí de cabelo curtinho né. 

Certamente, boa parte das pessoas que estão lendo esse texto vão ter o pensamento clássico de que não devemos nos importar com o que os outros pensam, que devemos ser autênticos e seguros sobre quem somos, porém quando é a sua existência, e a sua identidade que está em jogo, o fardo é pesado demais para que a gente queira arriscar.

por Agnes Reitz

Um comentário:

Anônimo disse...

So se for em redes sociais...