sexta-feira, 20 de agosto de 2021

UM DESGASTE DESNECESSÁRIO

Prefeita colhe desgaste por não antecipar debate de nova cobrança obrigatória e vereadores ficam em saia justa com seus eleitores. Transparência poderia ter gerado soluções saudáveis para a questão


Uma notícia que caiu como uma bomba no colo dos contribuintes lavrenses, gerou um desgaste para a administração da prefeita Jussara Menicucci (PSB) e colocou todos os 17 vereadores da Câmara Municipal de Lavras, no Sul de Minas, em uma tremenda saia justa com seus eleitores. O motivo é a Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos (TMRS), mais conhecida como "Taxa do lixo". 

Acontece que em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou a lei federal nº 14.026, que estabelece o Marco Legal do Saneamento Básico no país. Pela lei, todos os municípios brasileiros tinham até o dia 15 de julho para instituir a taxa de resíduos sólidos. E justamente, no último dia previsto, 15 de julho, a prefeita Jussara Menicucci assinou o Projeto de Lei Complementar (PLC) 014/202; mas, somente nesta semana, ou seja, mais de 30 dias da data limite imposta pela lei federal e de já ter sido assinado pela prefeita, que o PLC deu entrada na Câmara Municipal de Lavras. A veiculação de notícias abordando que projeto já pode ser votado na próxima semana, pegou de surpresa a população da cidade. Um desgaste desnecessário gerado para a administração municipal e uma crise jogada no colo dos vereadores. Assim se resume a tramitação deste PLC. 

A cobrança foi instituída em caráter de obrigatoriedade pelo governo federal para todos os municípios brasileiros que ainda não tenham instituído a taxa de coleta e destinação de resíduos sólidos e tarifa de limpeza urbana. O assunto já é amplamente debatido e divulgado, inclusive nas mídias do governo federal, há bastante tempo, inclusive já teve manifestações públicas por parte da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e da Associação Mineira de Municípios (AMM) sobre o assunto, mas não se sabe o motivo que a administração municipal de Lavras deixou a situação chegar ao ponto de abrir uma crise, onde o seu próprio líder de Governo, engrossou o coro dos parlamentares que dizem que irão votar contra o PLC. 

Caso seja aprovada, a cobrança já deverá vigorar a partir do próximo, com a cobrança engordando ainda mais o valor do futuro carnê do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de 2022, um período em que os parlamentares e a prefeita terão que novamente sair às ruas para buscar o voto destes mesmos contribuintes para seus candidatos nas eleições majoritárias de 2022. 

Independente da questão eleitoral, pesa ainda mais a situação crítica que os cidadãos brasileiros passam em suas finanças, com o alarmante desemprego, a informalidade crescente e a precarização dos salários, onde mais um imposto só vem pesar ainda mais no bolso dos lavrenses. 

A prefeita cumpre uma imposição federal e cabe aos vereadores, dentro de sua liberdade de legislar, aprovar ou não, mas, o grande destaque é que houve um descuido de articulação e estratégia por parte da administração municipal ao não debater e antecipar os fatos para a população. Além disso, o projeto chegou para conhecimento dos vereadores, segundo informações de bastidores, mais de 30 dias após ter sido assinado pela prefeita e a população só ficou sabendo porque veículos de imprensa revelaram a tramitação do projeto.

"A não proposição de instrumento de cobrança pelo titular do serviço nos termos deste artigo, no prazo de 12 (doze) meses de vigência desta Lei, configura renúncia de receita e exigirá a comprovação de atendimento, pelo titular do serviço, do disposto no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, observadas as penalidades constantes da referida legislação no caso de eventual descumprimento", destaca o parágrafo 2º do artigo 35 do Lei Federal nº 14.026/2020, o Marco Regulatório do Saneamento Básico.

O artigo 35 enfatiza que "as taxas ou as tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos considerarão a destinação adequada dos resíduos coletados e o nível de renda da população da área atendida, de forma isolada ou combinada...".

Para a uma liderança política da cidade, que não quis se identificar, a prefeita perdeu a oportunidade de dar transparência a uma imposição federal e juntamente planejar a adoção do imposto, já que o artigo 14 da Lei Complementar 101/2000 dispõe que, caso o município não estabeleça a devida cobrança no prazo legal, a renúncia de receita deverá ser acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deveria ser iniciada sua vigência e nos dois seguintes, atendendo às demais disposições legais estabelecidas. Embora o cenário pandêmico tenha afetado a economia do país, o município de Lavras tem mantido uma boa arrecadação o poderia dar ao Executivo local possibilidades de ter debatido e regulamentado a cobrança, mas deixar de fazer a cobrança já em 2022 se conseguir comprovar que não haverá impactos significativos, justificando uma renúncia de receita.

Para está liderança, isto também contribuiria com o equilíbrio da arrecadação por meio do IPTU, pois especialistas mesmo já disseram em entrevistas em meios de comunicação que a cobrança da TMRS pode ajudar a aumentar ainda mais a inadimplência do IPTU nos municípios. 

Com a situação crítica pelo qual as famílias brasileiras passam em suas finanças, anexar mais uma cobrança ao carnê do IPTU vai influenciar o calote do imposto ou inibir o seu pagamento à vista, pois na disputa por prioridades a pagar, o IPTU é um dos impostos com maior inadimplência. Outro ponto importante, é que conforme Lei n° 11.445/2007, artigo 29, poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços. Em muitos municípios, existem famílias que comprovada a situação de vulnerabilidade socioeconômica, estão isentas do pagamento do IPTU e, consequentemente, podem ser isentas do pagamento da TMRS. Neste caso, o déficit originado deverá ser coberto por outras receitas. 

"A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição", aborda o artigo 14 do Marco Regulatório.

Legislação
O texto da Lei Federal 14.206/2020, que estabeleceu o Novo Marco do Saneamento Básico, definiu que os serviços de manejo e gestão de resíduos sólidos urbanos deverão ter sustentabilidade econômico-financeira, assegurada pela cobrança de taxa ou tarifa para prestação do serviço. A legislação ainda determinou que a não proposição de instrumentos de cobrança pelos consórcios ou municípios, após 15 de julho de 2021, quando completa-se um ano de vigência da lei, será configurado como renúncia de receita destinada pela União.

Cobrança da prestação dos serviços públicos
O Supremo Tribunal Federal (STF) entende como específicos e divisíveis os serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis. Desde que essas atividades sejam completamente dissociadas de outras serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral e de forma indivisível. Tais como: os de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos (praças, calçadas, vias, ruas, bueiros). Portanto, é inconstitucional a cobrança de taxas em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, de acordo com publicação do site Portal Resíduos Sólidos.com.

Ainda segundo o portal, resumindo, os serviços de limpeza urbana (varrição, capina, poda) deverão ser custeados por outras receitas do município. A saber: transferências do governo federal (exemplo: FPM – Fundo de Participação do Município); repasse do governo estadual (exemplo: ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação); ou recursos municipais arrecadados por meio de impostos (exemplo: IPTU – Imposto sobre a Propriedade predial e Territorial Urbana). A cobrança da taxa de resíduos sólidos domiciliares poderá estar anexa a boletos de outros serviços. Por exemplo conta de água, por meio de taxas mensais, bimensais, trimestrais, semestrais ou anuais, ou junto com o IPTU.

Cobrança
Em matéria publicada no site da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) em 13 de julho de 2021, o o analista técnico em Saneamento da Confederação Nacional dos Municípios, Pedro Duarte, destaca que somente mediante a cobrança pelo manejo aos usuários é que se conseguirá fazer frente às obrigações da lei. “Hoje a maioria dos Municípios não cobra pela taxa e os que cobram, observamos ainda um alto índice de inadimplência, pois fazem pelo IPTU. Por isso a lei traz a obrigação de estabelecer a cobrança e todos os Municípios devem implementá-la, independente se é de grande, médio ou pequeno porte”, finaliza

Ao complementar, o superintendente adjunto de regulação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Alexandre Godeiro, reforçou que até a data do dia 15 de julho, o Município titular tem que propor o instrumento de cobrança, mas, com a legislação tributária, a cobrança não entraria em vigor este ano, tendo como prazo o começo do próximo ano. “Nós temos que ver o máximo de Municípios que possam fazer a adequação para que não tenhamos que incorrer na renúncia de receita. Nós estamos trabalhando e vamos continuar trabalhando neste assunto”, disse.

Caso o município perca o prazo, a renúncia de receitas traz uma série de implicações constantes na Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000. “Seguir o prazo é fundamental. Então, gestor, já corre atrás com isso e resolve. Caso você não consiga cumprir, você transfere para a subjetividade, para os órgãos, para uma opinião e diversas coisas que podem acontecer”, lembra.

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