Pular para o conteúdo principal

UM ANÃO DE JARDIM

Entrevistreta com o cronista tricoronário Lelo de Brito

Habemus croniquetas no tucanistão tricardíaco! 

É vivo Eu, anão do meu jardim, livreto das croniquetas escolhidas de Lelo de Brito – o famoso quem? - que arrancou “suspiros indecifráveis” de público e crítica.  

Por isto, na última segunda-feira de julho, dia 25, o poeta e executivo internacional Ricardo Marcato recebeu o autor no Zep Diner, em Los Angeles, para um bate-papo. Há mais de uma década, eles foram parceiros no bom e velho caderno cultural O Gr!To


Publicado no tricardíaco Jornal Três, nos primeiros anos deste século infante, O Gr!to rendeu 32 edições. Nas páginas do charmoso caderno cultural circularam contos, crítica cultural, poesia e ilustrações, além das primeiras experimentações literárias de Lelo de Brito. O autor de Eu, anão do meu jardim foi um dos últimos a integrar a trupe, que contava com Ronan Moreira, Roberto Iemini de Carvalho, Roberto Ferreira, Bruno Mafra, entre outros doidivanas. À época, a relação de Ricardo Marcato com a literatura russa o levou a ser personagem de uma crônica de Afonso Romano Sant’anna


As reuniões de pauta com a patota eram aos sábados à tarde, no extinto Mezzanino, o bar do Fernando, hoje Café da Torre; e quase sempre terminaram bem. 

Confira o bate-papo!

Marcato – Comecemos pelo fim. Como acabou O Gr!to!?

Lelo – Foi insólito. O caderno ia bem, de vento em popa, o que podia ter durado até a mudança de Ronan Moreira para Portugal, tempos mais tarde. Mas, a caminho de uma reunião de pauta qualquer, fui abordado na rua por um cara ruivo, maior que eu, um tipo viking, barbudo e impaciente. Ele tinha um Jornal Três em mãos, tirou do calhamaço O Gr!to e, sacudindo as folhas sobre a minha cabeça, mo disse, “O poeta Iemini não pode saber tanto, a cada edição ele escreve sobre um assunto diferente. Não pode ser verdade, eu não acredito em vocês.” No bar do Fernando, antes da nossa reunião, eu contei-lhes o episódio, “juventude, fui abordado na rua por um viking eriçado que não acredita mais em O Gr!to. Ninguém acredita mais, é o fim da linha. Hora de pararmos.” E paramos. 

Marcato – Taí uma boa versão para o fim, mas não foi assim. Falemos do seu livreto. Aliás, falemos do livreto depois. Eu o li, e cheguei ao final com a seguinte pergunta em mente: por que você escreve?

Lelo - Comecei a escrever por recomendação do meu taxidemista. E venho tentando parar com a ajuda do “E. A”, o Escribas Anônimos. Imagino que alguém, se descobre porque escreve, passa a correr o risco de trocar a escrita pela resposta, a ação pelo motivo. Sem ter ideia dos motivos, escrevo talvez por fazer parte da discreta e imensa comunidade dos humanos, pouco úteis à sociedade, capazes de se moverem apenas por sanha, pelo cio. Só faço o que não consigo evitar. Minha utopia é dominar a arte de ser desnecessário. Não gosto de ler, nem de escrever, detesto. Sou como toda a gente, não me resta tempo para distrações. Aliás, eu não gosto de nada. Não gosto do ar, não gosto do mar, não gosto de você e não gosto de mim. 

Marcato - E as croniquetas?

Lelo - Uma ou duas se salvam. 


Marcato – Como é o livro?

Lelo - Não é um livro, Marcatovisk, é um livreto. Tem só umas 40 páginas, sem unidade temática ou estilística. São 12 pequenas histórias inventadas, que convidam mais ao riso que à gargalhada, encantam os maus leitores e fazem dormir os bons. E nisto vai uma qualidade formidável do livreto, muitos bons leitores sofrem de insônia. Há nele pequenas biografias de personagens inventados e histórias inventadas a partir de fatos históricos. As mulheres povoam as narrativas, e não como bibelôs ou fetiches. As croniquetas apresentam pelo menos três mulheres fascinantes, criativas, plenas, uma delas a minha avó Rosa. Mas o livreto não chega a ser edificante. Não é empolgante como estar em companhia de sua melhor amiga ao quadrado. É um livreto ubuntu: nas croniquetas o anarquista que há em mim se junta ao ingênuo que há em você, e eu sou e você é porque nós somos. 

Marcato – As croniquetas têm sido bem recebidas? Os leitores estão gostando?

Lelo - Eu tenho sido bem recebido em companhia delas. Foram divertidos os dois lançamentos mundiais: na roda de choro do Bar do Salomão, em BH, e no Tushi Café, em Três Corações. O lançamento interplanetário, em Varginha, já está a caminho. Então, até semana que vem o livreto terá sido apresentado a três balcões de bar enquanto desconhece uma livraria. Não é genial? 


Mas da relação das estórias com seus primeiro leitores eu não sei dizer nada. Leitores especializados e os bons amigos coincidiram num suspiro indecifrável. O Beto (Iemini) considerou o livreto profundo e sábio. Minha amiga Elen (Duarte) leu nas histórias “boas e más distrações”. Parece-me que o livreto tem a galhardia da mediocridade, o que não é pouco. Quero dizer, fracassei, naturalmente.

Marcato – Você acha que com a entrevista conquistará novos leitores?

Lelo - Provavelmente não, e devia. É o que devo fazer agora. Mas não queria falar disto, quero falar do ato de escrever. Escrever literatura diz respeito a contar fantasia, e com tal graça que o texto por si mesmo saiba pescar seus leitores. Ter êxito aí é o diabo, uma coisa de engenho e tino, como lançar um foguete ao espaço sideral. Não dei conta de tanto. Então caricaturei, fiz as crônicas virarem croniquetas: um gênero raro, que não se encontra dando sopa por aí.  

Marcato – Elas têm vida. 

Lelo - Sim e não, claro! A vida pulsa muito por baixo do que se diz a respeito da vida. E talvez eu devesse não me atrever a falar disto, já que não curto muito a vida. Acho a vida meio chata, meio “z”. Você sabe. Assim como pensar, pensar é uma bobagem grega. Dá enxaqueca. Há outras formas interessantes de conviver com o tempo, como o cinema. Cinema é demais, é genial!

Marcato – Falemos mais de você. Antes do livreto você vinha bastante ligado à vida tricoronária, através do jornalismo e da política, dois campos sociais efervescentes.

Lelo - Sim, mas tive que cair fora, ou fui posto fora, ou os condenei a ficarem. Eu não consegui no jornalismo ser alguém que desancasse editores e donos de jornal, como um Jânio de Freitas ou um Tarso de Castro; sinto saudades putas do Paulão (Paulo César Pereira), do Folha do Sul, um personagem formidável, que sabe a política partidária brasileira de um ponto de vista radical e desabusado.

Enfim, não deu também para em política fazer grande coisa, já que eu estive voltado para o texto legislativo e a política no Brasil uma longa conversa ao pé do ouvido. E, ao dizê-lo, não faço juízo da vereança de Maurício Gadbem, com quem trabalhei e admiro. Ele vem cumprindo um papel importante no tucanistão tricardíaco. Porém, dadas as nossas instituições, no Brasil a política, quando boa, é um mal necessário. Hoje integro o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), mas ando afastado das decisões. 

Política e arte são duas grandes sintaxes da sociedade, duas sínteses. O jornalismo não, ou nem tanto. Atrás do jornalismo e da política eu só busquei o convívio com tradições textuais importantes. Já então eu não era muito interessado pela vida. Como se vê, falhei em tudo. Oxalá o livreto me supere.   

Marcato – O livreto faz parte da vida?

Lelo – Sim. Então falemos da vida. 


Por exemplo: é claro que ao nomear Três Corações nas páginas do livreto, e o outono de 2016, eu implicitamente me refiro ao caso, de triste memória, do assassino assassinado, que teve o corpo exumado e agredido, meses passados, no tucanistão tricoronário. Foi como fizeram também com o Querô, personagem de Plínio Marcos. 

Trecho
“Era de tardezinha, quando os homens, com suas armas, encontraram o Querô. Mas já não era necessário despejarem o veneno de suas metralhadoras no corpo inanimado. Querô já estava caído pra sempre. Assim mesmo, despejaram ódios no pequeno bandido. E ele ficou lá caído para sempre.” 

No caso tricardíaco, o “Querô” foi um jovem de 18 anos. Que viveu talvez 18 anos a 10 ou 12 quadras de minha casa. Matou, foi morto e teve o corpo violentado. Ele não conhecerá as minhas histórias e eu não conheci suas histórias. E o mais provável é que jamais contem a história dele. Contaram a história da morte. Mas, quem era ele? Como se chamava? No jornalismo, quis contar histórias assim, nem sempre houve espaço. 

Supõe-se que sejam histórias que a sociedade não quer ouvir. Meu ponto de vista é outro. Não haverá redução ampla ou duradoira das violências, da miséria e do banditismo, enquanto houver gente sem história entre nós. No registro jurídico vale mais a história do crime. Deviam condenar os culpados a contarem a sua história pessoal; e deviam passá-las nos gabinetes dos esbirros e das autoridades todas, mais ou menos como obrigam hoje a ver propagandas quem espera em filas. 

Contar as histórias, todas elas. Não se trata de humanidade, essa ideia cristã, ou de Direitos Humanos, essa luta formidável; é antes uma questão de contemporaneidade. Somos contemporâneos uns dos outros e precisamos encontrar meios de convivermos no tempo, de tornar a vida mais suportável, mais preciosa. 

As croniquetas, enquanto historiações, forcejam em direção a tornar a vida mais preciosa. Elas são cantos, pequenos sonhos que se sonha acordado, jogos e brincadeiras em torno do prazer de intercambiar histórias. 

Talvez elas recuperem para nós um pouco do prazer e da urgência de historiarmos. No mais, servirão para nada.  

Marcato – Vamos dar cabo nisto, já vou cansado.

Lelo – Porra, mas não fizemos nada. Ficamos aqui a tarde toda conversando à moda inglesa, em que um fala e o outro a cada duas horas diz, “yes”... 

Marcato – Que pergunta você gostaria que eu tivesse feito e eu não fiz?

Lelo – Sei lá, mas respondo mesmo assim. Na finalização do livreto foi decisiva a colaboração de Maurício Gadbem, ele acreditou nas croniquetas, as sonhou comigo. Estivemos juntos, eu, ele, o Dj Guilherme in Selecta, e o professor de música Gilberto Resende Junqueira. Além de Carina A. Duarte de Melo, que fez da revisão um trabalho literário. Sou muito agradecido a todos.

Marcato – Vamos às doses, fim de papo.  

Lelo – Fora Temer!

Marcato – Pobre-diabo... 


Adquira já seu exemplar de Eu, anão do meu jardim, por meio do e-mail: renatodebrito@gmail.com 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CAXAMBU VAI SE TRANSFORMAR NA CIDADE DE CORAIS COM O CANTA BRASIL 2025

Aberto ao público, evento vai reunir 18 grupos de diferentes cidades com apresentações no Hotel Glória Caxambu e em vários locais da cidade do Sul de Minas Entre os dias 14 e 17 de agosto, a Caxambu, localizada no Circuito das Águas, será palco do Canta Brasil 2025, um dos maiores festivais de corais do país. O evento musical vai reunir 18 grupos de diferentes cidades da Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. O Canta Brasil 2025 homenageia este ano o saudoso maestro José Henrique Martins (Zeca), idealizador do evento, e o Maestro José Valoni Féo pelos 50 anos de vida artística e dedicação ao canto coral, regente do coral da Associação Bosque Marapendi, do Rio de Janeiro. A cerimônia de abertura será no dia 14 de agosto, às 19 horas, no Hotel Glória Caxambu, e o encerramento no domingo, dia 17, às 8h30, no Parque das Águas. Durante quatro dias, corais vão mostrar um repertório variado e bastante atrativo. A programação prevê diversas apresentações nos dia...

CRESCIMENTO ORDENADO

São célebres e recorrentes exemplos de cidades que, ao experimentar ciclos duradouros de crescimento, deixaram de lado o planejamento urbano e viram parte dos avanços conquistados se converter em degradação.    Para fugir desse indesejável efeito colateral do desenvolvimento, Pouso Alegre, no Sul de Minas, se dedica à modernização das leis que regimentam o uso, a ocupação do solo e a disposição urbana em todas as suas dimensões. Não se trata de uma discussão trivial. Até o final de 2013, ao menos quatro projetos de leis foram elaborados pelo Executivo e aprovados pela Câmara de Vereadores com a missão de estabelecer as regras fundamentais sobre as quais será baseada a expansão urbana da cidade pelas próximas décadas, quando sua população pode triplicar, se aproximando de 500 mil habitantes. O conjunto de leis moderniza e complementa o Plano Diretor Municipal, estabelecendo critérios a serem observados na construção e disposição de imóveis, conforme sua localização e fi...

GRANA NO CAIXA

Entre julho e setembro deste ano de 2023, os municípios receberam um valor menor de Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essa redução foi por conta da redução do ICMS dos combustíveis feita na gestão do ex-presidente Bolsonaro. Para compensar essas perdas que atingiram negativamente as receitas dos municípios brasileiros, o Governo Lula está repassando R$ 4 bilhões para os municípios brasileiros. Com isso, o município de Lavras acaba de receber mais de 1,9 milhões de reais para cobrir essas perdas e manter os recursos da prefeitura sem prejuízo.