sexta-feira, 23 de setembro de 2016

OS BASTIDORES DA GESTÃO

Em meio as incertezas sobre os investimentos na educação pública no Brasil, na UFLA assistência estudantil é palco de conflitos de poder

Enquanto a direção espera o clima 'esfriar': transferências, reuniões e até demissão viam manter controle dos focos de conflito

Durante cerimônia nesta quinta-feira, 22, no Palácio do Planalto, o presidente Michel Temer (PMDB) disse que, "em nenhum momento", irá reduzir os recursos para a área da educação. Na solenidade, o presidente anunciou uma reforma na estrutura e no currículo do ensino médio que modifica, entre outros pontos, a carga horária e o conteúdo.

Apesar do posicionamento do presidente, em carta, os pró-reitores de Planejamento e de Administração das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) se manifestaram contrários aos cortes realizados pelo Governo Federal no Projeto de Lei Orçamentária das IFES para o ano de 2017.

A manifestação foi documentada durante o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Planejamento e de Administração das Instituições Federais de Ensino Superior (Forplad), realizado em Macapá, no Amapá, no mês de agosto, e encaminhada à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Conforme o documento, intitulado “Por um orçamento que acompanhe o reconhecimento social da qualidade”, o projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2017, teve como base a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016.

Os pró-reitores denunciam que além dos valores não terem sido corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice tradicionalmente utilizado sobre a LOA 2016, foram aplicadas reduções de 3,15% para o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), de 6,74% nos valores do Custeio das Despesas Correntes (OCC) e de 40,1% nos recursos de investimentos. 

Ainda de acordo com o documento, também não houve a incorporação do crescimento do sistema IFES medido em 2,5%, assim como as IFES, que fizeram adoção total ao SISU para 2017, também não tiveram as compensações, normalmente estabelecidas, considerando que essa adesão acarreta em uma maior demanda para a assistência estudantil.

“Tais cortes ameaçam gravemente o pleno funcionamento desse importante sistema de Educação Superior do país. Além disso, a LOA 2016 encontra-se fortemente contingenciada em sua execução no ano em curso, assim como já havia acontecido com os recursos das LOAs de 2014 e 2015, o que, desde então, tem provocado imensas dificuldades para o necessário cumprimento pleno dos compromissos assumidos pelas nossas instituições e que se encontram vinculados às atividades cotidianas das áreas de planejamento e administração das IFES”, apresenta o texto.

Cortes gradativos
A falta de correção nos índices utilizados sobre a LOA 2016 cujos valores serão os mesmos para aplicação em 2017 nas universidades federais, complica ainda mais a situação das instituições.

Em 2015, a Universidade Federal de Lavras (UFLA) teve 10% dos seus recursos contingenciados e corte de 47% no seu capital. A direção da instituição vem realizando cortes gradativos, principalmente em setores 'sensíveis' da instituição.

O serviço de vigilância patrimonial foi atingido, com a mudança do contrato de trabalho dos vigilantes, que passaram a ser contratados como vigias, o que reduziu os salários e benefícios, além de haver uma limitação das funções no novo enquadramento.

A assistência estudantil, coordenada pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC), também tem sido atingida. A UFLA junta os recursos vindos diretamente do Programa Nacional de Assistência Estudantil do governo federal com recursos próprios, formando uma única política de ofertas de bolsa, denominada de Programa Institucional de Bolsas (PIB), que na instituição são pagas no valor de R$300,00.

A pró-reitora de Assuntos Estudantis, Ana Paula Piovesan Melchiori, diz que os critérios de seleção adotados são os mesmos.

"Os critérios de concessão de bolsas não mudaram, eles são os mesmos desde a criação do Programa de Bolsas Institucionais. Nele, são atendidos de forma prioritária os estudantes com maior grau na escala de vulnerabilidade, conforme o número de bolsas disponíveis. Sendo aprovado, o estudante é informado que a sua bolsa tem validade pelo período estabelecido no edital e que a manutenção da bolsa está condicionada à renovação da candidatura nos editais subsequentes, além de estar dentro da faixa de vulnerabilidade prevista em cada edital", afirmou.

Apesar da alegação, está havendo redução na concessão de benefícios. A Universidade Federal de Lavras já chegou a ofertar 1.500 bolsas para os estudantes de graduação. Entre março e abril de 2015, esse número caiu 1.450. Hoje, o número caiu para 1.300.

O corte tem sido realizado gradativamente, sem alarde, a cada renovação de candidatura do estudante, por meio da pontuação.

O PNAES, cujos recursos são destinados para auxílio financeiro para estudantes em situação de vulnerabilidade econômica, moradia, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, entre outros, garante que cada instituição federal de ensino superior possa definir os critérios e a metodologia de seleção dos alunos de graduação a serem beneficiados.

E os cortes, articulados pela Pró-Reitoria de Planejamento e Gestão (PROPLAG) da instituição, devem atingir também outros programas. 

O programa de Bolsa Monitoria remunerada, que tem como objetivo auxiliar o professor, monitorando grupos de estudantes em projeto acadêmico, visando à melhoria da qualidade do ensino de graduação, também corre o risco de ser atingido na instituição.

Também haverá reajuste no valor das refeições ofertadas no Restaurante Universitário (RU). Inicialmente, somente os usuários visitantes serão prejudicados pelo aumento de preço.

Problemas de gestão
Paralelo aos problemas que a pasta da educação vem sofrendo Brasil, a situação se complica mais ainda na UFLA devido conflitos envolvendo a nova gestão da PRAEC. Após reportagens publicadas pelo Blog O Corvo-Veloz, a situação vem se agravando. 

A direção da instituição tem sido acionada constantemente para resolver o conflito, mas a postura combinada será de deixar passar os dias, alegando impossibilidade devido a uma agenda intensa de compromissos, com isso, esperar que a situação "esfrie".

Já no foco da polêmica, a PRAEC, após intensa reunião com a direção da instituição, foi recomendado uma postura mais 'ligth' na atuação frente aos estudantes, principalmente em relação aos moradores do alojamento estudantil. 

Várias ações para sufocar os insatisfeitos estão sendo rapidamente articuladas e executadas em meio a posição passiva da direção da instituição.

Nos últimos dias, o gabinete da PRAEC tem recebido visitas constantes e desde ontem, quinta-feira, 22, houve orientação para reunião o máximo de estudantes que serão recebidos em uma reunião da Pró-Reitoria.

Em um momento que o município de Lavras vive uma recessão econômico, onde recentemente uma indústria fechou às portas desempregando cerca de 140 pessoas, um funcionário considerado muito "popular" no alojamento estudantil foi demitido, apenas com a alegação de que seria preciso substituí-lo uma "pessoa mais ríspida".

Outros postos 'chave' na PRAEC também foram trocados, como a coordenação de moradia e alimentação, responsável pelo alojamento e o Restaurante Universitário.


Poderes aos pró-reitores 

Outras universidades
A situação econômica do País, com cortes na área da educação e o silêncio sobre a real situação interna nas universidades é alvo de reportagens em vários de imprensa.

Nesta quarta-feira, 21, o site do jornal Estado de Minas trouxe uma reportagem abordando a situação na maior universidade pública de Minas Gerais.

De acordo com a publicação, o medo de corte anunciado pelo Ministério da Educação (MEC) ronda a maior universidade do estado, que faz campanhas de economia, mas já sofre os efeitos do déficit no ensino e na pesquisa.

Segundo o texto, o corte na UFMG põe em xeque funcionamento de laboratórios, pesquisas e qualidade dos cursos.

"A Reitoria ainda não se pronuncia oficialmente sobre o assunto, mas, nas salas de aula de muitos cursos, o medo de falta de materiais ronda a comunidade universitária. Substituições e campanhas contra o desperdício de insumos essenciais ao aprendizado já foram anunciadas para garantir o andamento das atividades nos próximos meses, mas trabalhos de pesquisa já sentem prejuízos. Sem saber ainda qual será o orçamento disponível para o ano que vem e os valores a serem repassados para institutos, escolas e faculdades, professores e alunos dizem que, se não houver aporte financeiro urgente, o funcionamento de laboratórios e a qualidade de muitas aulas poderão ficar seriamente comprometidos", diz a matéria assinada pela jornalista Junia Oliveira.

Em outra reportagem produzida pela mesma jornalista e publicada também no mesmo dia, estudantes destacam o avanço de ingresso de estudantes na universidade, mas que em situações de cortes orçamentários, a assistência estudantil é a primeira a sofrer.

Além disso, conforme relatos de estudantes da UFMG as bolsas estariam sendo pagas em atraso. Já o site brasileiro do jornal espanhol El País, em reportagem publicada no dia 6 de setembro, assinada pela jornalista Marina Rossi, mostrou relatou que na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), os professores estão participando das bancas de outras universidades por meio do Skype.

O motivo é que a universidade não tem mais recurso para gastos como passagens e hospedagem. A reportagem mostra também que naUniversidade Federal do ABC (UFABC), na região metropolitana de São Paulo, as obras estão paradas, elevadores desligados para economizar energia, e “até o cafezinho da copa foi cortado”, segundo disse o reitor, Klaus Capelle.

Cortes em um momento de ascensão social
Dois terços dos alunos das universidades federais que participaram espontaneamente da pesquisa que traçou o perfil socioeconômico dos estudantes têm origem em famílias com renda média de 1,5 salário mínimo, representando 66,19%.

Ainda de acordo com a pesquisa, 42% dos estudantes disseram que a dificuldade financeira atrapalha o desempenho acadêmico.

Este foi um dos dados apontados pela pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) na semana passada, conforme repercutido pela Assessoria de Comunicação Social em Estudo aponta mudanças no perfil dos estudantes nas universidades, após cotas.

Os números demonstram uma significativa alteração no perfil dos estudantes, visto que se consideradas apenas as regiões Norte e Nordeste, o percentual de estudantes com perfil  no Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) atinge 76,09% e 76,66%, respectivamente.

Ainda de acordo com a pesquisa, 42% alegaram que problemas financeiros influenciam no desempenho acadêmico.

À época da primeira pesquisa, o total de estudantes com até 1,5 salário mínimo era de 44%, o que significa em um aumento de 50% de estudantes com perfil PNAES.

Além disso, em números absolutos, de 2003 a 2014, os estudantes que se autodeclaram negros eram 27 mil, hoje são 92 mil, o que representa que o número de negros nas universidades brasileiras triplicou, nos últimos anos.

O levantamento contou com a participação de 130 mil discentes de 62 universidades federais, totalizando 146 tabelas com informações que retratam uma mudança expressiva, sobretudo, no que diz respeito à crescente utilização do Enem a partir de 2009, à adesão das instituições federais ao Sisu, à vigência da Lei das Cotas, a partir de 2013, e também aos novos campi implantados na política de interiorização das universidades federais.

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