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A CORRENTE DE SOLIDARIEDADE QUE TIRA PESSOAS DA RUA


O juiz federal José Maurício Lourenço conheceu Edson Alexandrino Assunção quando, num dia comum, enquanto limpava o quintal de sua casa, recebeu um pedido inusitado: uma toalha e um sabonete, para que Edson pudesse tomar um banho. Ao entregar o pedido, descobriu que o homem viveu em situação de rua durante seis anos, foi usuário de drogas e conseguiu se estabelecer, após ajuda de uma comunidade religiosa católica, numa casa em Contagem, contando com um benefício previdenciário que garante seu aluguel e seu dia a dia — além de serem conterrâneos de Ponte Nova, na Zona da Mata mineira. A partir daquele dia, nasceu entre os dois uma amizade.

Meses seguintes, as vidas de José Maurício e Edson voltariam a se cruzar e a se estreitar a partir de outro ex-morador em situação de rua, Clemente Gonçalves de Souza. Mas, antes de narrar esse encontro, é preciso uma pequena digressão temporal.

Clemente tem 65 anos, e desde janeiro de 2025 recebe um Benefício de Prestação Continuada devido a uma deficiência na perna. Seu caso foi recebido e processado no Juizado Especial Federal da Subseção Judiciária de Belo Horizonte, Tribunal Regional Federal da 6ª Região, por ocasião do evento denominado “Rua de Direitos” em junho de 2024, lá estando presente o Comitê PopRuaJud do TRF6, com atendimento jurídico exclusivo a pessoas em situação de rua. Antes, o agora titular do benefício assistencial também passou por diversos centros de acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade social, como o Centro Pop Lagoinha, mantido pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O atendimento no Comitê PopRuaJud do TRF6 resolveu um problema antigo que Clemente enfrentava, garantindo a ele o BPC através de ação judicial, que culminou com uma proposta de acordo de concessão do benefício então apresentada pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e posteriormente homologada judicialmente.

Porém, acessar um direito garantido a todos pela Constituição Federal e manter esse direito em pleno funcionamento é um dos grandes desafios do Sistema de Justiça, além de tantos outros quando o Poder Judiciário se propõe a implantar uma política de atenção a pessoas em situação de rua, como ocorre na dificuldade de localizar pessoas que não possuem endereço fixo na cidade para comprovação de residência nos órgãos públicos e que necessitam da intermediação de órgãos públicos, como é o caso do Comitê PopRuaJud, sempre atuando em parceria com diversos outros órgãos da sociedade civil que se dedicam a esse público. Assim, ainda que Clemente tenha conseguido o BPC, lhe garantir o direito de sair das ruas da Capital e iniciar uma nova vida não foi tão simples.

Primeiro, ele continuou ativo pelas ruas do Centro de Belo Horizonte, notadamente na região do Complexo Viário da Lagoinha. Um “amigo” se apresentou para cuidar de suas finanças, o que lhe causou mais tormentos do que segurança financeira e administração do dinheiro que vinha do benefício assistencial. Passado algum tempo, foi internado no Hospital Metropolitano Odilon Behrens com dores na perna, da qual mancava, e, por lá, médicos descobriram dois coágulos em sua cabeça. Após uma operação bem-sucedida, precisou ser transferido para o Hospital Nossa Senhora Aparecida. A necessidade de se estabelecer numa residência fixa estava cada vez mais urgente, para que Clemente tivesse uma vida menos atribulada após sair das ruas. É aqui que a história dos três personagens se cruza.

Como já vinha acompanhando o Clemente de perto desde a tramitação do processo judicial, José Maurício enxergou uma oportunidade diferente: juntar Clemente com Edson, ainda que provisoriamente. Garantir um lar para Clemente era uma missão prioritária para desenvolver sua situação. Então, pediu ao amigo Edson que o abrigasse, ainda que temporariamente, assim que tivesse a alta hospitalar, de modo que não precisasse voltar para as ruas da cidade e novamente retomasse o uso descontrolado de bebida alcoólica. O amigo Edson não teve dúvidas: do mesmo jeito que recebeu ajuda para conseguir sair das ruas, ele se dispôs a ajudar o Clemente. Assim, de pronto o recebeu em sua casa, passando a dividir com o Clemente a sua moradia, inclusive ajudando-o nessa transição da vida nas ruas para uma vida digna dentro de uma casa. E transcorrido uma semana do início desse exemplar acolhimento, os vizinhos do bairro já se manifestam emocionados e felizes com o bonito gesto do Edson, que inclusive tem acompanhado o Clemente ao posto de saúde local para a continuidade do tratamento médico recomendado pelo profissional que o atendeu na última internação hospitalar.

E como tudo tem dado tão certo, a proprietária do imóvel alugado pelo Edson terá em breve uma outra casa disponível para locação, bem ao lado da sua morada. Este novo inquilino será o Clemente. Agora, de pessoa em situação de rua por mais de seis anos, sofrendo todos os tipos de violação de direitos e muitas vezes explorado por falsos “amigos”, estes que não passam de agiotas e quiçá estelionatários, o Clemente já tem hoje endereço certo e fixo, com o apoio de um ser iluminado e disposto a ajudar aqueles que ainda passam por dificuldades que ele também já enfrentou. E com endereço fixo e um verdadeiro amigo lhe dando apoio indispensável, o Clemente já enxerga bem à sua frente uma nova vida, uma vida com dignidade.

*Da Tribunal Regional Federal da 6ª Região

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